
FILHOTE DE GENTE, GENTE É – o último episódio da segunda temporada é sobre como os filhos de imigrantes Brasileiros lidam com sus identidades de serem parte da primeira geração de Brasileiros-Americanos. Discutimos as complexidades de tentar definir nossas identidades, e no final descobrimos que é tudo muito muito muito complicado.
Creditos:
- Esse episódio foi produzido por mim Heloiza Barbosa e Valquiria Gouvea
- Roteiro de Heloiza Barbosa
- Edição de Heloiza Barbosa e Felipe Ivaniska
- Trilha Original de Paulo Pinheiro
- Trilha adicional de Blue Dot Sessions e biblioteca de áudio do Youtube
- Música Tema do Faxina é de Anais Azul
- Ilustração de Natália Gregorina @nataliagregorini
- Essa temporada do Faxina teve apoio da PRX e Google Podcast Creators Program
PARTE 2 – FILHOTE DE GENTE, GENTE É
OI! ESTAMOS DE VOLTA COM A SEGUNDA PARTE DO EPISÓDIO “FILHOTE DE GENTE, GENTE É”
SÓ PRA TE LEMBRAR, NESSE EPISÓDIO A GENTE RESOLVEU CONVERSAR COM JOVENS QUE SÃO FILHOS E FILHAS DE BRASILEIROS QUE NASCERAM OU CRESCERAM NOS EUA E QUE HOJE VIVEM ESPALHADOS POR CIDADES AMERICANAS. ESSES JOVENS SÃO DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BRASILEIROS-AMERICANOS.
EU JÁ DISSE AQUI QUE NAVEGAR NO OCEANO DAS IDENTIDADES É MUITO DIFÍCIL E COMPLEXO.
É COMPLEXO PORQUE IDENTIDADE É TUDO O NOS DEFINE. E VOCÊS JÁ PERCEBERAM COMO É COMPLICADO PARA ESSES JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE FILHOS DE BRASILEIROS NASCIDOS OU CRESCIDOS NOS EUA SE DEFINIREM RACIALMENTE, E ETNICAMENTE E MANTEREM SUA LÍNGUA MATERNA.
E COMO AQUI NO FAXINA A GENTE GOSTA DE COISAS COMPLICADAS, A GENTE VAI MERGULHAR AINDA MAIS FUNDO NESSE MAR DE IDENTIDADES, HOJE A GENTE VOLTA A CONVERSAR COM …
DENTRO DAS ÁGUAS DA IDENTIDADE DE SER BRASILEIRO
[transição de 6-8 segs]
BOM, A GENTE VAI COMEÇAR NOSSA EXPLORAÇÃO DA IDENTIDADE BRASILEIRA DESSES JOVENS POR UM LUGAR QUE É UM DOS MAIS CONHECIDOS DO BRASIL. MESMO QUEM NUNCA BOTOU OS PÉS POR LÁ, SABE ONDE FICA ESSE LUGAR. ENTÃO RESPIRA FUNDO PORQUE NÓS VAMOS JUNTOS COM O GLEIDSON PARA UM SUPER CARTÃO POSTAL
Gleidson: Eu fui ao Maracanã eu tinha … Foi em 2016, 13 anos. E foi realmente uma experiência muito emocionante. Eu pude ver mais de perto né, a paixão pelo futebol das pessoas brasileiras. Do começo entrando né, vendo assim o estádio… Estádio enorme. Eu só tinha visto pela televisão mesmo. Que tinha sido renovado para as Olimpíadas e… Eu lembro que quando eu entrei eu fiquei realmente… Eu fiquei chocado de tão bonito que era. E foi bem interessante também ver ver como pode tantas pessoas unidas… No jogo que eu fui tinha… O público presente era de 66 mil. É o que eu mais lembro mesmo é o som da torcida da torcida gritando e pessoas que eu nem conhecia me abraçando, todos se abraçando juntos. A cada cada lance se ouvia um grito de Uh. Foi uma experiência muito … Foi sensacional! E primeiro eu ficava só olhando. Depois eu comecei a me sentir dentro daquele estádio também. Eu me senti como um deles né, que eu também gosto muito de futebol. E foi uma coisa que ficou muito marcada para mim foi a única vez que eu fui ao Maracanã.
QUEM JOGOU? VOCÊ LEMBRA?
Foi Santos contra o Flamengo.
O GLEIDSON É SUPER PROFISSIONAL COMO JOGADOR DE FUTEBOL E LÓGICO QUE ELE NÃO RESPONDEU A MINHA PERGUNTA
Helo: E qual é o teu time. Meu time eu não tenho time.
AÍ EU INSISTI PERGUNTANDO ENTÃO QUEM ERA O JOGADOR FAVORITO DELE NAQUELE JOGO
Gleidson: Favoritos. Favorito era na época era o guerreiro o Guerreiro Paulo Guerreiro que isso ficou bastante marcado porque tinha música pra ele que todos cantavam e a música era acabou caô. O guerreiro chegou. O guerreiro chegou ai todos todos cantavam juntos.
Helo: Você lembra quem ganhou o jogo
Gleidson: Foi empate em 2 a 2.
MEU SONHO UM DIA É IR AO MARACANÃ VER UM JOGO DE FUTEBOL… QUEM SABE UM DIA.
AGORA A GENTE SAI DO MARACANÃ E VAI PARA UMA OUTRA PAISAGEM QUE É BEM CONHECIDA DO BRASIL: AS PRAIAS BRASILEIRAS, DE AREIAS BRANCAS, ÁGUA MORNA E HOMENS E MULHERES DE PEQUENOS BIQUÍNIS.
E QUEM VAI LEVAR A GENTE PRA PEGAR UM SOL É A LARA …
[som de praia … entra uma música tipo bossa nova …
LARA: quando eu vou para o Brasil, eu me sinto mais confortável na praia, ou me sinto mais confortável que ninguém vai me olhar se tiver usando shorts
LARA: As mulheres que usam biquini… não é todo mundo que é magrela, e tem mulheres de diversos tipos de corpo e tudo e ninguém nem pisca o olho.
AH QUE VONTADE DE ESTAR NUMA PRAIA DO BRASIL AGORA! HUMMMMM ….
MAS ACORDA HELOIZA … VOLTA PRA REAL! [termina o som de praia e bossa nova]
E VOLTANDO PRA CÁ, PRA OS ESTADOS UNIDOS, A REALIDADE É OUTRA, COMO BEM DIZ A LARA
LARA: tem muita praia que você não pode ir colocando biquíni pequeno que todo mundo vai ficar te olhando como você é estranho ou qualquer coisa… Essas coisas acontecem nos Estados Unidos mas é mais escondido… as pessoas são mais conservadoras, não mostram o corpo, ou falam mal das pessoas que fazem isso.
LARA PERCEBEU QUE A MULHER TINHA MAIS LIBERDADE DE MOSTRAR O CORPO NO BRASIL. ELA SE SENTIA EM UM PARAÍSO QUANDO VISITAVA O BRASIL NAS FÉRIAS. ALÉM DAS PRAIAS, ELA TAMBÉM CONHECEU UMA CIDADEZINHA DO INTERIOR DO ESTADO DE SÃO PAULO DE ONDE A FAMÍLIA DA MÃE DELA É.
Lara: e eu amava o Brasil, a gente saia, ficava na rua até de madrugada e ninguém falava nada. Eu amo minha cidade no interior, tenho amigos e família… Porque minha cidade era bem pequena, bem branca, maioria italiano e português… eu tinha uma tia (que Deus a tenha), que a gente sempre falava que era racista, e a gente achava que era brincadeira…
MAS JÁ ADULTA, NA FACULDADE, LARA FOI MORAR POR UM SEMESTRE EM SALVADOR, CAPITAL DO ESTADO DA BAHIA, E LÁ ELA VIU UM BRASIL… MAIS REAL, EU DIRIA
Lara: não foi até que eu estudei em Salvador, em 2014, que eu percebi que o Brasil não é essa utopia que eu sempre pensava. Depois que eu tava em Salvador, que todo mundo… não todo mundo, mas algumas pessoas falavam comentários tipo… “Ai, você estudou em Salvador, mas lá é tão sujo, aí porque Salvador, porque não Rio de Janeiro ou São Paulo”.
Lara: Eu sei que com a população trans no Brasil é horrível. A violência que acontece e tudo.
HELENA: Geralmente eu acho que prefiro a cultura brasileira em vários jeitos. Eu acho que por causa de segurança eu ia prefirir a America. Porque eu sou trans, e ser trans no Brasil é super difícil, eu ia preferir aqui. Brasil é o pior país para ser trans, onde Tem muito muito assassinato com pessoas trans lá, muita violência.
ESSA É HELENA, MINHA FILHA. COMO VOCÊS OUVIRAM, HELENA TEM MEDO DE MORAR NO BRASIL PORQUE A VIOLÊNCIA E DISCRIMINAÇÃO QUE SOFREM AS PESSOAS TRANS NO BRASIL É MUITO DOLOROSO E ATERRORIZANTE.
MAS APESAR DO MEDO, HELENA TEVE UMA INFÂNCIA QUE ELA DIZ QUE AMOU. ELA VIVEU OS PRIMEIROS 8 ANOS DE VIDA DELA EM FLORIANÓPOLIS, NO SUL DO BRASIL, ONDE EU ERA PROFESSORA. E NAS FÉRIAS, SEMPRE QUE DAVA A GENTE IA PRA BELÉM DO PARÁ, A MINHA CIDADE. AGORA ENTÃO ELA VAI TE CONTAR DA EXPERIÊNCIA DELA DE CONHECER O NORTE E O SUL DO BRASIL
Helena: eu vivi em Brasil por oito anos mais ou menos, em Florianópolis. Florianópolis é super diferente do que Belém.
Helena: Bem eu não conheço o norte super bem, mas tem uma pobreza lá, tem uma diferença de classe bastante que eu acho que é super notável. O Sul eu acho que geralmente é mais riquinho, pelo menos a parte de Florianópolis onde eu morava, tem bastante turista especialmente argentino e europeu porque talvez eles acham que é menos perigoso. Mas no Norte eu acho que tem essa pobreza e esse classismo. Por exemplo, sempre quando eu ia visitar minha avó lá na casa dela em Belém, era uma casa tipo mais pequeno do que eu conhecia, era num bairro que era mais pobre e esse era o bairro onde minha mãe cresceu. Então acho que isso me faz realizar a diferença de classe que eu tinha quando eu estava do que ela e a diferença de classe entre bastante do Norte e do Sul.
QUANDO NÓS NOS MUDAMOS DE VOLTA PARA OS ESTADOS UNIDOS, HELENA TINHA 9 ANOS, E ELA TEVE MUITAS DIFICULDADES DE FAZER AMIGOS E SE ACHAR POR AQUI
Helena: Por exemplo, tipo coisas pequenas que eu achava que tipo… isso era um caso para todo mundo, mas tipo não era aqui. Por exemplo, as frutas que a gente comprava no sacolão, que não existem aqui… ou tipo… ir pra praia e a praia ser um jeito específico, todas essas coisas pequenas…
FUTEBOL, PRAIAS, FRUTAS BRASILEIRAS… BRASIL DO NORTE E BRASIL DO SUL. BRASIL RACISTA, BRASIL LIBERAL, BRASIL PRECONCEITUOSO. SÃO TANTOS BRASIS…AGORA IMAGINA ESSES JOVENS, FILHOS E FILHAS DE IMIGRANTES, PROCURANDO ESSA IDENTIDADE DE SER BRASILEIRO DENTRO DESSA COMPLEXIDADE. QUE COMPLICADO NÉ!
MAS COM COMPLICAÇÃO OU SEM COMPLICAÇÃO, NINGUÉM SE EMPENHOU TANTO EM SER TÃO BRASILEIRA COMO A AMERICANA DE NASCIMENTO LAURA LUIZA
Laura Luiza: não tem nenhuma criança que era tão obcecada com o Brasil como eu. Eu adorava ficar no Brasil. Se minha mãe falasse que a gente ia ficar menos de dois meses, gastou seu tempo. Eu queria ficar o verão… sair da escola, entrar no avião e só chegar aqui no primeiro dia… eu só queria ficar no Brasil, eu tinha uma inveja. E quando eu chegava lá eu tentava viver a vida como uma criança no Brasil, fazer tudo, não ficar em casa e fazer tudo. Ir na rua jogar bola com meus primos, conhecer amigos de amigos, queria fazer tudo.
O PAI DE LAURA LUIZA É DO RIO DE JANEIRO E A MÃE NASCEU EM PERNAMBUCO MAS SE CRIOU TAMBÉM NO RIO
Laura Luiza: Eu tinha uma obsessão com o Rio de Janeiro. Praia, côco por 12 reais no calçadão. Ir pro Leblon, uma padaria tinha sonho, doce de leite, churros na rua…e depois ia para Recife. Minha vó super séria… Mas as comidas eu me apaixonava…O nordeste tem sua própria cultura. Maxixe, jiló, quiabo, carne de charque, bobó de camarão. Ia só para comer. Acordar, comer, tirar uma madorna e comer de novo.
[fade out da musica]
ESSES JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO BRASILEIROS-AMERICANOS ESTÃO NOS MOSTRANDO QUE NEM SEMPRE O LUGAR DE NASCIMENTO DETERMINA A IDENTIDADE CULTURAL DE UMA PESSOA. LAURA LUIZA NASCEU NOS EUA, MAS…
Laura Luiza: Eu tinha o maior…não era problema, era uma dificuldade de entender esse aspecto de, como eu nasci aqui eu sou americana e é um privilégio ter esse passaporte.
Quando eu era criança . Se alguém me perguntasse de onde eu era, eu falava do Brasil. E meus pais falavam, não você é daqui, você é americano. E eu: não! Sou brasileira. Porque na minha cabeça: meus dois pais são brasileiros, eu tenho passaporte brasileiro, eu vou pro Brasil todo ano, eu falo português em casa, na nossa casa toca música brasileira, a gente assiste novela de tarde, a comida que a gente come é brasileira. Nossos amigos são brasileiros, as pessoas que eu chamo tia e tios, meus primos de criação são brasileiros. Então para mim eu sou brasileira.
JÁ BIANCA É AO CONTRARIO. ELA NASCEU NO BRASIL E MIGROU PARA OS ESTADOS UNIDOS COM 7 ANOS DE IDADE, E DESDE ENTÃO NUNCA MAIS RETORNOU. MESMO TENDO MÃE, IRMÃ E AMIGOS BRASILEIROS, ELA SE SENTE DESCONECTADA DO LUGAR DE NASCIMENTO
Bianca: Você é americano porque você nasceu aqui. Aí eu sou brasileiro porque eu nasci lá, eu acho. Eu acho que eu sou mais americana
BIANCA SE VÊ E SE SENTE AMERICANA. MAS OS AMERICANOS A VEEM DE FORMA DIFERENTE
Bianca: Então eu falo que nasci no Brasil mas cresci aqui. Mas eu falo que eu sou brasileira. E eles perguntam, ah você fala português? Falo um pouquinho lá… Eu acho que tem gente muito interessada na língua assim aprender português, visitar o Brasil. Então eles… Eles ficam like um pouco excited que eles conhecem alguém do Brasil. [00:07:14-00:07:24] Helo e Bianca: Então você é uma coisa exótica pros americanos quando você fala que você é brasileira? [risos] é Porque todo mundo quer ir lá sabe?
VOCÊS DEVEM ESTRANHAR O FATO DE QUE BIANCA NUNCA RETORNOU AO BRASIL. O MOTIVO BIANCA EXPLICA
Bianca: Eu não tenho papel, eu tenho o DACA.
ASSIM COMO BIANCA DEZENAS DE MILHARES DE OUTROS JOVENS FILHOS DE IMIGRANTES TAMBÉM TEM O DACA. O DACA É UM DOCUMENTO PROVISÓRIO QUE O GOVERNO AMERICANO DÁ PARA OS FILHOS DE IMIGRANTES NÃO-DOCUMENTADOS QUE CRESCERAM AQUI.
Bianca: eu não gosto de falar com ninguém que eu não tenho papel. Eu posso trabalhar, eu posso ir para escola porque eu tenho o Daca. [hum hum] Mas eu não posso sair desse país.
É ISSO, QUEM TEM O DACA NÃO PODE VIAJAR NEM DE FÉRIAS. E EU VOU REPETIR QUE O DACA É UM DOCUMENTO PROVISÓRIO, OU SEJA EXISTE A AMEAÇA DIÁRIA DE QUE DE REPENTE ESSA GARANTIA DE PERMANÊNCIA PODE SER RETIRADA DA VIDA DESSES JOVENS IMIGRANTES E ELES SEREM DEPORTADOS, DEPORTADOS DA UNICA CASA QUE ELES CONHECEM.
Bianca: Quando o Donald Trump começou tudo isso dos imigrantes… você via coisas na internet, on the news que todo mundo tava com medo de ser deportado, então acho que eu fiquei com medo e até minha mãe ficou aliviada quando o Biden ganhou.
[transiçao da musica melancólica]
O QUE FAZ UMA PESSOA SER AMERICANA OU SER BRASILEIRA? LAURA LUIZA NÃO SÓ VIVIA ESSA PERGUNTA DENTRO DELA COMO TAMBÉM NA COMUNIDADE DE IMIGRANTES BRASILEIROS EM BOSTON
Laura Luiza: E eu via que tinha uma grande diferença entre as crianças que os pais são brasileiros mas eles nasceram aqui e as crianças que nasceram no Brasil e vieram para os Estados Unidos como criança ou como jovem. Os jovens que vieram do Brasil eles se separavam da gente. Você via o jeito que eles vestiam era diferente, o sotaque. Não tinha sotaque, português deles era perfeito. Eles jogavam bola diferente. Tudo o que eles faziam, eles faziam no seu grupo. E as crianças que são brasileiros de..como um americano de primeira geração, eles também faziam um grupo.
LAURA LUIZA MERGULHOU FUNDO NO DILEMA EXISTENCIAL DE MUITOS JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BRASILEIROS-AMERICANOS
Laura Luiza: Eu tinha uma dificuldade de pensar que eu era menos ou mais brasileira que alguém.
Laura Luiza: Eu sou americana para eles eu não sou brasileira?
ASSIM COMO A LAURA LUIZA, EU TAMBÉM TENHO DIFICULDADE DE PENSAR QUE A GENTE PODE MEDIR A AMERICANIDADE OU A BRASILIDADE DE ALGUÉM.
E PRA MIM O PIOR É A PRESSÃO QUE EXISTE DE APAGAR DA PESSOA A SUA HERANÇA CULTURAL COM A IDEIA DE ASSIMILAÇÃO E ADAPTAÇÃO À CULTURA DOMINANTE – TIPO, EM ROMA FAÇA COMO OS ROMANOS. E, ALÉM DISSO, TRATÁ-LA COMO UM ESTRANGEIRO, UM ESTRANHO, UM SEM LUGAR.
ISSO ACONTECEU COM ARTHUR. E A HISTÓRIA É ASSIM. ARTHUR NASCEU AQUI NOS ESTADOS UNIDOS NA ÁREA DE BOSTON. QUANDO ELE COMEÇOU A ESTUDAR, ELE FOI PRA UMA ESCOLA PÚBLICA DO SEU BAIRRO ONDE ESTUDAVAM MUITOS IMIGRANTES
Arthur: A minha escola tava cheia de haitianos, de brasileiro, de hispano, de indiano, de branco… era de tudo. Eu eu tava entre um grupo que me aceitava nem nem eu sabendo que eles me aceitavam.
MAS COM 9 ANO DE IDADE, ARTHUR GANHOU UMA BOLSA DE ESTUDOS PARA ESTUDAR EM UMA ESCOLA DE FILHOS DE MILIONÁRIOS E BILIONÁRIOS AMERICANOS. EM UMA ESCOLA COM TUDO DO QUE HÁ DE MELHOR E MAIS SOFISTICADO NO MUNDO!
CONCEDENDO A BOLSA, A ESCOLA ACHAVA QUE ESTAVA FAZENDO A SUA PARTE EM AJUDAR OS POBRES. E PARA OS PAIS DE ARTHUR, ESSA ERA A CHANCE DE OURO.
Arthur: Ao entrar nessa escola eles me colocaram em um programa para ajudar a criança a ler. Mas eu não tinha problema de ler e eu não tinha problema de escrever e…
ARTHUR CONTA QUE NESSA ESCOLA DE ELITE ELE NÃO ERA VISTO E NEM MESMO RECONHECIDO COMO BRASILEIRO
Arthur: era era bem raro eles me chamar de brasileiro porque para eles ele só entendia México. Eu jogava futebol, porque eles nos fizeram jogar um monte de esporte, então eu era bem rapidinho para minha idade e sabe aquele Ratinho do Tom&Jerry com o Sombrero. Eles me chamaram do Speed Gonzales.
Arthur: Eu me senti como um. Um performe de circo que tipo, pô fala uma coisa em português ali. Daí você fica, O que você quer que eu falo? E daí ele, qualquer coisa! Aí daí eu falo uma coisa… Não sei o que… daí ele pergunta, fala um palavrão ali, me fala um palavrão, e eu falo uma palavrão tipo… Para mim reduziram minha cultura inteira em tipo Pô dá um palavrão para eu falar aqui. Uma cultura bem bruto e feio que não realmente demonstra a beleza e … da Da cultura brasileira,
Arthur: Eles nunca me deram o espaço de entender minha cultura.
Arthur: Do jeito que eles falavam dos meus pais da minha vida fora da escola parecia que eu vim de um mundo completamente diferente.
Ao chegar lá eu já cortei minha identidade brasileira, eu achei um jeito de separar quem eu era de quem eu era na escola
Eu tentei entrar numa cultura que eu nem necessariamente tinha espaço de estar entre. Ainda é difícil conectar com minha família só por causa da diferença de vida que nós tivemos e do tipo de identidade que eu me forcei para ter, para me achar um canto nesse mundo
E O QUE FICOU DESSA EXPERIÊNCIA NA TUA VIDA ARTHUR?
Arthur: Tem um efeito que me faz triste porque agora eu vejo que eu não falo português muito mais em casa. Para mim a única palavra que me chega mais é essa ideia de colonização que aconteceu comigo nessas escolas está transferindo para a minha família, que agora eu vejo minha mãe… Que tipo… ela prefere falar em inglês, então quando a gente tem uma conversa ela ela começa em inglês. E meu irmão é raríssimo ele falar português. Então eu estou tipo sentindo essa coisa de pouco triste para mim.
Dai ao mesmo tempo eu me vejo como eu saí de uma escola particular, ainda sendo um homem branco, completamente quebrado. Minha identidade é quebrada e não existe.
tem os aspectos bons, que tipo agora eu escrevo muito bem, agora eu sou bem intelectual, eu sei como me formar, e lidar num sistema elite, mas ao custo da minha identidade, dos meus sentimentos, da minha família… de um monte de coisa que até hoje eu tô tentando balancear para ver aonde que realmente me deixou.
[terminar a musica aqui]
TODO MUNDO PODE VIVER E CELEBRAR DUAS, OU MAIS IDENTIDADES CULTURAIS E UMA NÃO PRECISA APAGAR A OUTRA.
HELENA CONTOU COMO FOI CRESCER SENDO BI-CULTURAL DENTRO DE CASA
Helena: Por exemplo, se alguém tem dois pais brasileiros mas mora aqui nos Estados Unidos, tipo… o mundo em volta deles é americano, mas a casa é uma casa brasileira. Para mim não tem essa divisão. Pra mim em casa sempre é uma mistura dos dois. Então tem a minha mãe eu falo português com ela, sempre falo em inglês com o meu pai. Especialmente tem bi-culturalidade em tipo todo elemento da casa. Cozinhamos comida brasileira ás vezes. Temos arte brasileira nas paredes. Há bastante dos meus amigos eu conheci por causa da minha bi-culturalidade. Por exemplo o Jean Wyllys Eu não ia ter conhecido ele se eu não era brasileira.
Aqui tem essa atitude da pessoa individual sendo tipo a coisa mais importante, e eu acho que isso pode se manifestar em jeitos que são muito ruins, mas geralmente eu acho que esse é um valor americano que eu acho que pode ser muito bom, pra tipo ajudar pessoas ser eles mesmos, elas mesmas
GLEIDSON TAMBÉM ABRAÇA A SUA IDENTIDADE BI-CULTURAL
Gleidson: eu me identifico como os dois, brasileiro e americano. Até porque eu tenho a dupla cidadania né, brasileira e americana. Então realmente me considero brasileiro e americano, os 2, não consigo escolher um que eu sou mais
LARA PARECE ESTAR BEM RESOLVIDA COM A SUA DIVERSIDADE
Lara: Eu não me sinto muito americana, eu fui criada bem brasileira em casa e dominicana na casa do meu pai. Eu não odeio ser americana, eu não amo ser americana. É só um lugar que eu fui criada. Eu nasci aqui, mas minhas origens não são daqui
ATÉ LAURA LUIZA FEZ AS PAZES COM A PARTE DE SER AMERICANA DE SUA IDENTIDADE
Laura Luiza: caiu a ficha, que eu nasci aqui, que muito da minha identidade não é só brasileira, é também o fato que eu sou americana da primeira geração, que eu sou americana que foi criada aqui
BOM, A GENTE VIU COMO ESSES JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BRASILEIROS AMERICANOS TÊM EXPERIÊNCIAS MUITO DIFERENTES UM DOS OUTROS. MAS QUANDO SE TRATA DE TENTAR DEFINIR ALGO QUE SIGNIFICA SER BRASILEIRO, TODOS PARECEM TER UMA IDEIA MUITO PRÓXIMA OU MUITO IGUAL
[entre uma musica super marchinha de carnaval… ]
Bianca: eu acho que os brasileiros assim não tem medo de falar com ninguém. eles faz amigos em qualquer lugar. Então acho que é bem fácil assim…
Helena: tem um senso de comunidade que eu vejo com o Brasil, especialmente… tenho família que mora pelo pelo país inteiro, mas tem essa comunidade onde, tipo… várias pessoas são amigas com os vizinhos, e conhecem todo mundo na rua super bem. Isso é uma coisa que não vejo aqui na América, especialmente não nas Cidades.
Lara: a cultura é muito mais alegre, eu sempre falo do Carnaval, e que o país tipo para por uma semana, duas, três semanas dependendo de onde você tá no Brasil… e o povo sabe se reunir…
Gleidson: Eu acho que ser brasileiro é ser alegre. Ser mais alegre. Eu vejo brasileiros como os mais amigáveis.
A RESPEITO DISSO, EU TENHO UMA PERGUNTA PRA VOCÊS, COMO FICA ESSA IDEIA DE BRASILEIROS SEREM MAIS ALEGRES E MAIS AMIGÁVEIS COM OS NÚMEROS ALTOS DA VIOLÊNCIA, QUE MATA JOVENS POBRES E PRETOS, MATA PESSOAS TRANS, E MATA MULHERES?
Gleidson: Boa pergunta.
Lara: a questão do perigo no Brasil, que não me sinto confortável, mas acho que isso é só político, é racismo.
[ retoma o som festivo da marchinha bem alegre]
EU ACHO QUE VOCÊS TEM RAZÃO. NÃO DÁ PRA DEIXAR QUE IDEIAS POLÍTICAS DE OPRESSÃO E RACISMO E HOMOFOBIA E MISOGINIA DESTRUA A NOSSA ALEGRIA. ESSAS SÃO IDEIAS QUE SE A GENTE QUISER, A GENTE PODE EXCLUIR DO NOSSO JEITO ALEGRE DE SER BRASILEIRO.
EU COMECEI ESSE EPISÓDIO DIZENDO QUE É MUITO COMPLICADO FALAR DE IDENTIDADE. E EU VOU REPETIR. É MUITO COMPLICADO, MUITO COMPLEXO, MUITO DIFÍCIL NAVEGAR NESSE OCEANO QUE SÃO AS NOSSAS IDENTIDADES.
MAS PORQUE QUE É TÃO COMPLICADO ASSIM?
BOM, É COMPLICADO PORQUE UMA IDENTIDADE É UM TRABALHO DA NOSSA IMAGINAÇÃO SOCIAL. OU SEJA, PRA A GENTE PODER VIVER JUNTO E SE ENTENDER A GENTE CRIA AS IDENTIDADES. E PRA EXISTIR UMA IDENTIDADE, É PRECISO 3 COISAS BÁSICAS. 1 – PRECISA QUE A SOCIEDADE – E TODOS NÓS SOMOS PARTE DA SOCIEDADE – CRIE UM NOME OU ROTULO PARA O QUE EU SOU, COMO POR EXEMPLO O NOME “BRASILEIRO”.
2- ESSE NOME DADO PRECISA TER UM SIGNIFICADO PARA AS PESSOAS QUE USAM, POR EXEMPLO UMA PARTE DA MINHA IDENTIDADE É QUE EU NASCI NO BRASIL E ALÉM DISSO EU ME SINTO BRASILEIRA, ISSO TEM UM GRANDE SENTIDO PRA MIM, ISSO ME IDENTIFICA.
E 3- ESSE NOME QUE EU USO PRA ME IDENTIFICAR, PRECISA SER RECONHECIDO POR OUTRAS PESSOAS, POR EXEMPLO QUANDO EU DIGO QUE SOU BRASILEIRA AS PESSOAS RECONHECEM E RESPONDEM À ESSA INFORMAÇÃO DE QUEM EU SOU.
MAS DENTRO DE UMA PESSOA CABE VÁRIAS IDENTIDADES, COMO IDENTIDADE DE NACIONALIDADE, IDENTIDADE RACIAL, IDENTIDADE PROFISSIONAL – ALIÁS MINHA IDENTIDADE PROFISSIONAL É: EU SOU PODCASTER, E PODCASTER PREMIADA ….
MAS RETORNANDO AO PONTO, NÓS TEMOS MUITAS IDENTIDADES, TEMOS TAMBÉM NOSSA IDENTIDADE DE CLASSE, IDENTIDADE CULTURAL, IDENTIDADE DE GÊNERO, E VÁRIAS OUTRAS.
E SABE PORQUE QUE É IMPORTANTE A GENTE ENTENDER NOSSAS IDENTIDADES?
PORQUE A GENTE FAZ COISAS DEVIDO ÀS NOSSAS IDENTIDADES. POR EXEMPLO, MESMO QUE NÃO TENHA FILA NENHUMA NO BANHEIRO MASCULINO, EU SEMPRE FICO NA LONGUÍSSIMA FILA DO BANHEIRO FEMININO ESPERANDO. NÃO EXISTE NADA NA COMPOSIÇÃO DE MINHA NATUREZA BIOLÓGICA QUE DIGA QUE EU TENHO QUE IR EM UM BANHEIRO E NÃO NO OUTRO. MAS O MEU COMPORTAMENTO ACONTECE PORQUE EU ESTOU RESPONDENDO A UM ENTENDIMENTO QUE A SOCIEDADE TEM E QUE EU TENHO DA MINHA IDENTIDADE DE SER MULHER.
ENTÃO, SE IDENTIDADES É UM TRABALHO DA NOSSA IMAGINAÇÃO SOCIAL, NÓS PODEMOS ESTICAR, MUDAR, ALTERAR ESSAS DEFINIÇÕES DE IDENTIDADES PARA INCLUIR TODAS AS MARAVILHOSAS BRILHANTES E LINDAS DIVERSIDADES DE SER GENTE. PORQUE FILHOTES DE GENTES, MUITAS GENTES SÃO!
OBRIGADA DE CORAÇÃO CHEIO POR ESCUTAR O FAXINA.
A GENTE VAI ENTRAR DE FÉRIAS. VAMOS RECARREGAR NOSSAS MENTES E CORPOS. E VOLTAREMOS COM A NOSSA PRÓXIMA TEMPORADA EM MARÇO DE 2022!!!
POR FAVOR, SE CUIDEM E CUIDEM UNS DOS OUTROS
E … MUITO IMPORTANTE, FALEM DO FAXINA PARA AMIGOS, AMIGAS, AMIGUES, VIZINHANÇA E PARENTES. PORQUE DE BOCA EM BOCA A GENTE CHEGA AOS OUVIDOS DO MUNDO!
FELIZ ANO NOVO!
TCHAU!
Creditos:
Esse episódio foi produzido por mim Heloiza Barbosa e Valquiria Gouvea
Roteiro de Heloiza Barbosa
Edição de Heloiza Barbosa e Felipe Ivaniska
Trilha Original de Paulo Pinheiro
Trilha adicional de Blue Dot Sessions e biblioteca de áudio do Youtube
Musica Tema do Faxina é de Anais Azul
Ilustração de Natalia Gregorina
Doações no Brasil pode ser feitas no https://apoia.se/faxinapodcast
Doações no exterior podem ser feitos no site do https://www.gofundme.com/f/faxina-podcast-ignored-stories-of-housecleaners?qid=e2382349c3469cb24a15c949fffdaeac
Essa temporada do Faxina teve apoiao da PRX e Google Podcast Creators Program
Nesse episódio foram usados áudios da Rede TVT, TV Record, Carta Capital, e BBC Brasil