ep_08_optimized

T2-8 Parte 1: FILHOTE DE GENTE, GENTE É

23/12/2021
Assine para escutar o Faxina
Notas

FILHOTE DE GENTE, GENTE É – o último episódio da segunda temporada é sobre como os filhos de imigrantes Brasileiros lidam com sus identidades de serem parte da primeira geração de Brasileiros-Americanos. Discutimos as complexidades de tentar definir nossas identidades, e no final descobrimos que é tudo muito muito muito complicado.

Creditos:

  • Esse episódio foi produzido por mim Heloiza Barbosa e Valquiria Gouvea
  • Roteiro de Heloiza Barbosa
  • Edição de Heloiza Barbosa e Felipe Ivaniska
  • Trilha Original de Paulo Pinheiro
  • Trilha adicional de Blue Dot Sessions e biblioteca de áudio do Youtube
  • Música Tema do Faxina é de Anais Azul
  • Ilustração de Natália Gregorina @nataliagregorini
  • Essa temporada do Faxina teve apoio da PRX e Google Podcast Creators Program
Roteiro completo

FILHOTE DE GENTE, GENTE É

OI! AQUI É HELOIZA BARBOSA  E ESSE É O ESPAÇO DE SONS E HISTÓRIAS DO FAXINA podcast.

VOCÊS JÁ DEVEM TER ESCUTADO O DITADO QUE DIZ, “FILHINHO DE PEIXE, PEIXINHO É” MAS SERÁ QUE ISSO É REAL? SERÁ QUE OS FILHOS DE BRASILEIROS, BRASILEIROS SÃO?

Helena: Eu tenho amigos e amigas aqui brasileiras e a gente fala sobre o Brasil, sobre as nossas experiências com nossas famílias brasileiras. 

ESSA É HELENA, MINHA FILHA. TALVEZ VOCÊS RECONHEÇAM A VOZ DELA PORQUE ELA JÁ participou EM EPISÓDIOS PASSADOS. ELA VAI ESTAR COM A GENTE NESSE EPISÓDIO. HELENA NASCEU NOS ESTADOS UNIDOS E ASSIM COMO ELA, DEZENAS DE MILHARES DE OUTROS JOVENS FILHOS DE IMIGRANTES BRASILEIROS TAMBÉM  

Helena: A gente fala em português às vezes. Geralmente uma mistura dos dois. Algumas palavras de português algumas de inglês misturada assim.

NESSE PODCAST A GENTE JÁ CONTOU HISTÓRIAS DE VÁRIOS IMIGRANTES QUE TRABALHAM COM FAXINA AQUI NOS EUA, MAS UMA HISTÓRIA QUE A GENTE AINDA NÃO TINHA ABORDADO, E QUE É MUITO IMPORTANTE, É SOBRE A IDENTIDADE DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE FILHOS E FILHAS DESSES IMIGRANTES QUE NASCERAM OU CRESCERAM POR AQUI. 

FALAR DE IDENTIDADE É FALAR DE QUEM A GENTE É. PARECE FÁCIL NÉ?  MAS ISSO É UM ASSUNTO MUITO COMPLICADO PORQUE A GENTE É UM MONTE DE COISAS. EU, TU, CADA UM DE NÓS!    

POR EXEMPLO, EM VÁRIOS MOMENTOS OS JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO SÃO PERGUNTADOS  “DE ONDE VOCÊ É”  ESSA PERGUNTA É MUITO DIFÍCIL DE RESPONDER PRA QUEM NASCE EM UM PAÍS, MAS CRESCE NO OUTRO. OU, PRA  QUEM NASCE E EM UM PAÍS MAS OS PAIS SÃO DE OUTRA CULTURA, NA CASA SE FALA UMA OUTRA LÍNGUA, SE COME COMIDAS DIFERENTES, SE CELEBRA OUTROS FERIADOS, SE CURTE OUTROS ESPORTES, SE ESCUTA MÚSICAS QUE OS COLEGAS DA ESCOLA NÃO CONHECEM… E ELES, OS PAIS, SÃO CHEIOS DE EXPERIÊNCIAS E MEMÓRIAS DE UM OUTRO LUGAR QUE VOCÊ SENDO FILHO OU FILHA NUNCA NEM VIU.  É MUITO COMPLICADO!

E PRA PIORAR, NÓS TEMOS AS IDENTIDADES QUE NÓS DEFINIMOS PRA NÓS MESMOS, E TEMOS AS IDENTIDADES QUE OS OUTROS, A SOCIEDADE TODA, VAI DANDO PRA GENTE SEM SE IMPORTAR SE A GENTE É ISSO MESMO OU NÃO. 

MAS MESMO SENDO COMPLICADO, A GENTE ENTÃO QUIS SABER COMO ESSES JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO SE SITUAM, COMO ELES SE IDENTIFICAM. ELES SÃO BRASILEIROS? OU AMERICANOS? OU LATINOS? E O QUE É SER UMA OU MUITAS DESSAS IDENTIDADES?

BOM,  O JEITO MELHOR DE SABER QUEM SÃO ESSES JOVENS FILHOS DE  BRASILEIROS NASCIDOS OU CRESCIDOS NOS ESTADOS UNIDOS, É PERGUNTANDO PRA ELES. E FOI ISSO QUE A GENTE FEZ.

PARA O EPISÓDIO QUE ESTÁ COMEÇANDO  A GENTE ENTREVISTOU  6 JOVENS DE IDADES ENTRE 16 E 27 ANOS. 

Meu nome é Arthur Henrique Fin Gonçalves, eu tenho 18 anos de idade.

Meu nome é Lara Bertoldo Gimenez eu tenho 27 anos

Meu nome é Gleidson de Souza, tenho 17 anos. E… eu sou um jogador de futebol, jogo futebol, e… é uma da minhas grandes paixões. Eu sou aluno também, sou bastante dedicado aos estudos.

Meu nome é Helena Barbosa Andrus, tenho 16 anos, sou filha da Heloiza.

Oi, meu nome é Laura Luiza, tenho 18 anos, sou estudante.

Bianca de Barros, 23 anos…ahn eu sou Bianca, sou estudante, estudo biologia… e…[risos]

BIANCA MIGROU PARA BOSTON COM 7 ANOS DE IDADE.   ARTHUR, HELENA, LAURA LUIZA, GLEIDSON E LARA NASCERAM NOS EUA. 

OS PAIS DE  LARA, HELENA, ARTHUR, E LAURA LUIZA SE CONHECERAM AQUI NA TERRA GRINGA.    

JÁ OS PAIS DE GLEIDSON E BIANCA SE CONHECERAM NO BRASIL. 

BIANCA, ARTHUR, LAURA LUIZA e GLEIDSON TÊM PAI E A MÃE BRASILEIROS. 

GLEIDSON SE CONECTA COM O BRASIL PELO FUTEBOL SUA GRANDE PAIXÃO.

 LARA JÁ MOROU EM SALVADOR SOZINHA. 

BIANCA NUNCA VOLTOU AO BRASIL.

LAURA LUIZA ADORA A ANITTA.

 HELENA TEM MEDO DA VIOLÊNCIA QUE SOFREM AS PESSOAS TRANS NO BRASIL. 

SÃO TANTAS DIVERSIDADES … EU SINTO COMO SE DENTRO DE CADA UM DESSES SEIS JOVENS HOUVESSE UM RIO QUE ATRAVESSA A ALMA DELES, E DENTRO DESSE RIO MUITO E MUITOS OUTROS RIOZINHOS SE JUNTAM E TUDO DESÁGUA EM UM GRANDE OCEANO DE SUAS IDENTIDADES.  E O DESAFIO É NAVEGAR NESSE MAR.

ENTÃO, PEGA A TUA BÓIA, CANOA, OU MÁSCARA DE MERGULHO, ENCHE O TEU PULMÃO DE AR E  VEM COM A GENTE EXPLORAR ESSE OCEANO NO EPISÓDIO “FILHOTES DE GENTE, GENTE É” 

[termina a música tema do faxina]

NÓS VAMOS ENTÃO INICIAR A EXPLORAÇÃO DESSE MAR POR ONDE TUDO COMEÇA PARA A MAIORIA DOS FILHOTES DE GENTE:  DENTRO DAS HISTÓRIAS DE NOSSAS FAMÍLIAS.

Gleidson: Meu pai e minha mãe nasceram no Brasil. Meu pai nasceu numa cidade no Rio de Janeiro chamada de Volta Redonda e minha mãe nasceu em Alagoas, Maceió Alagoas.

ESSE É O GLEIDSON. ELE NÃO CONHECE MACEIÓ, MAS JÁ VISITOU A TERRA DE SEU PAI

Gleidson: Eu Já fui em Volta Redonda visitar os meus avós que vivem lá ainda.    E foi uma experiência bastante bacana eu conheci um mundo completamente diferente é uma cultura completamente diferente da que eu estou acostumado aqui. Eu vi eu logo notei assim as casas né, como são diferentes. As estruturas. 

E DAÍ EU PERGUNTEI PRO GLEIDSON O QUE ELE SABE SOBRE A HISTÓRIA DE IMIGRAÇÃO DOS PAIS 

Gleidson: E… Eles têm. e… Normal. Uma situação é… Como diz… é…  

NÃO SABER AS HISTÓRIAS DE NOSSAS FAMÍLIAS É MUITO COMUM. 

ALGUMAS FAMÍLIAS TÊM LONGAS HISTÓRIAS QUE ATRAVESSAM GERAÇÕES. OUTRAS, TEM HISTÓRIAS CURTAS INTERROMPIDAS PELO CRUEL CRIME DA ESCRAVIDÃO, POR GUERRAS, POR PERSEGUIÇÕES, OU POR FALTA DE INFORMAÇÕES. 

Lara: Minha mãe veio aqui… acho que ela completou 30 anos que ela veio para cá há 30 31 32 anos.

 ESSA É A LARA, ELA FOI CRIADA PELA MÃE E PELA AVÓ, ELA SABE UM POUCO DA HISTÓRIA DE IMIGRAÇÃO DA MÃE  

Lara: E ela veio para estudar, para passar um tempo aqui. Ela se formou em Letras no Brasil e ela ficou. Ela ficou aqui. Acho que ela nunca teve essa eu vou mudar para os Estados Unidos e eu vou ficar, mas uma coisa aconteceu uma coisa atrás do outro. Se arrumou emprego aqui e tal. Ela ficou grávida comigo. Então ela construiu a vida dela aqui. E meu pai. Eu não sei muito a história de imigração dele. 

JÁ DO PAI QUE É UM IMIGRANTE DA REPÚBLICA DOMINICANA QUASE NADA.

Lara: eu acho que ele veio porque o irmão dele estava aqui e também ficou. Mas eu não sei muito os detalhes.

EM ALGUMAS FAMÍLIAS O PASSADO É DESCONHECIDO E DEIXA BURACOS QUE A GENTE VAI TENTANDO PREENCHER COMO PODE. É ASSIM QUE O ARTHUR, QUE VOCÊS VÃO OUVIR AGORA,  VAI CONSTRUINDO A HISTÓRIA DA FAMÍLIA DELE

Arthur: meu pai é do Rio e minha mãe do Paraná. E por que meu pai veio para o Estados Unidos, eu não tenho a mínima ideia.

ARTHUR CONTOU QUE OS PAIS SE CONHECERAM TRABALHANDO EM UMA LOJA AQUI NOS EUA. NAMORARAM, CASARAM. CONTINUARAM TRABALHANDO EM SUPERMERCADO DURANTE O DIA E LIMPAVAM BANCO E ESCRITÓRIOS DE NOITE. 

Arthur: E… daí eu nasci né, daqui a uns meses depois disso.

DEPOIS A MÃE CONSEGUIU UM EMPREGO NO BANCO E O PAI EM UMA REDE DE SUPERMERCADOS MAIS CHIQUE. COM A NASCIMENTO DO IRMÃO DE ARTHUR, A MÃE DECIDIU LARGAR O TRABALHO ESTRESSANTE DO BANCO PARA SER BABÁ. ELA FOI BABÁ POR 7 ANOS, MAS AGORA OS PAIS TÊM OUTROS TRABALHOS…

Arthur: minha mãe trabalha no sistema do hospital que eu nasci e  meu pai agora é faxineiro. Não é algo que tipo enche, dá felicidade para meus pais, mas paga as contas tipo dar uma segurança de viver aqui.

SÓ RECENTEMENTE ARTHUR OUVIU HISTÓRIAS DO PASSADO DO PAI

Arthur: do tempo dele de ser garçom e de servir o Kennedy de servir o Prime Minister de Israel

E DE SUAS TRAVESSURAS DE INFÂNCIA 

Arthur: de botar um foguete em um gato para explodir o rabo dele porque o vizinho dele sempre esfaqueava a bola de futebol quando entrava no Jardim dele.

 Arthur: Então tipo, ouvindo essas histórias da minha família me faz pensar em tudo que eu estou… Estou ficando sem.

 Arthur: Apesar de ter demorado 18 anos, pelo menos começar tipo essa essa caminhada de conhecer minha identidade de conhecer meus pais.

Arthur: E e tanto espaço vazio… Que eu tenho na minha identidade do meu conhecimento dos meus pais e da vida que eles têm, porque a minha identidade não pode existir sem eles. 

AS HISTÓRIAS DE FAMÍLIA SÃO O NOSSO DNA. SÃO PELAS HISTÓRIAS QUE CIRCULAM EM NOSSAS FAMÍLIAS QUE A GENTE GUARDA O QUE É PRECIOSO E COMUNICA O QUE É IMPORTANTE. E ESSAS HISTÓRIAS ENTÃO SÃO HERANÇAS PASSADAS DE PAIS PARA FILHOS. 

LAURA LUIZA, CARREGA UMA HERANÇA DESSAS. AH E PARA TOTAL TRANSPARÊNCIA, LAURA LUIZA, É FILHA DA VALQUIRIA GOUVEA, A PITAQUEIRA OFICIAL DESSE PODCAST. 

 EM 2018, COM 15 ANOS DE IDADE, HORRORIZADA COM OS ATAQUES COM ARMAS DE FOGO QUE OCORRERAM NAQUELE ANO DENTRO DE ESCOLAS AMERICANAS, LALU ORGANIZOU EM BOSTON UM PROTESTO CHAMADO A “MARCHA POR NOSSAS  VIDAS”, [inserir audio ] UM MOVIMENTO QUE REUNIU QUASE 40.000 JOVENS EXIGINDO QUE O GOVERNO AMERICANO PASSASSE LEIS PARA REGULAR O USO DE ARMAS DE FOGO.  LALU CONTOU PRA GENTE DE SUA HERANÇA ATIVISTA.

Laura Luiza: Não posso tomar nenhum crédito à relação a minha a minha entrada no ativismo porque eu sempre foi criado numa família de ativista. Meu pai desde desde quando ele era jovem ele ia pra rua, ele pixava pelos direitos dos trabalhadores. Minha mãe na faculdade sempre tinha um diálogo intelectual com os companheiros de classe dela sobre política sobre o estado do Brasil. Então na nossa casa quando qualquer coisinha que… Uma ideia que não caiu bem, a gente conversava como família. Essa ideia de essas…As ideias políticas era uma coisa de família na nossa casa, não era uma coisa de divisa. Quando alguém ia ara um protesto, nós três, a gente ia junto.

AS HISTÓRIAS DE FAMILIA SÃO PARTES IMPORTANTES DE NOSSAS IDENTIDADES, DE QUEM NÓS SOMOS, DE ONDE VIEMOS.

E ESSAS HISTÓRIAS DE FAMÍLIA SÃO REPASSADAS ATRAVÉS DE UM CÓDIGO. E É DENTRO DE NOSSAS FAMÍLIAS QUE A GENTE ADQUIRE ESSE CÓDIGO, QUE TEM O PODER DE DEFINIR UMA PARTE DE NOSSA IDENTIDADE PRO RESTO DA VIDA: ESSE CÓDIGO  É  A LÍNGUA. 

A LÍNGUA QUE A GENTE FALA É UM SISTEMA TÃO NATURAL E, AO MESMO TEMPO, TÃO INVENTADO. 

UMA DAS CARACTERÍSTICAS QUE DEFINE ESSES 6 JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BRASILEIROS-AMERICANOS QUE A GENTE ENTREVISTOU, É QUE ELES CRESCERAM EM UM MUNDO DE MÚLTIPLAS LÍNGUAS FALADAS.

COMO A LARA POR EXEMPLO

Lara: Um só português e inglês. Eu tenho um pouco de vergonha para falar espanhol, eu não falo muito. Se você me coloca na República Dominicana eu me viro. Desde criança e até agora eu morro de vergonha de falar espanhol nem com meu pai. Às vezes eu falo com ele em espanhol, mas não muito. Mas eu cresci com minha… Minha mãe sempre falou em português comigo. Minha avó criou me criou até que uns sete ou oito anos de idade. Minha avó não fala uma palavra de inglês. Agora que eu estou morando na Califórnia, eu moro aqui mais de dois anos, eu estou percebendo que está ficando mais difícil falar português porque eu não falo todo dia.

PARA ALGUMAS FAMÍLIAS, MANTER O PORTUGUÊS MESMO MORANDO NOS EUA, É MANTER O CORDÃO VITAL QUE FAZ A LIGAÇÃO COM OS ANTEPASSADOS. E NA CASA DO GLEIDSON É ASSIM

Gleidson: Na minha casa, sempre foi incentivado… é foi o português né. Sempre os meus pais… Eu tenho um irmão de 20 anos, eu tenho 17, então somos   bem próximos de idade né, e sempre que falávamos inglês dentro de casa meus pais cortavam na hora, falavam: não, fala português. Para poder praticar né. Praticar dentro de casa. E… Não perder né. Porque aprendemos o português mesmo dentro de casa. E o inglês já praticávamos na escola. Então eu fiquei fluente nos dois idiomas.

PRA OUTROS IMIGRANTES, APRENDER O INGLÊS, QUE É A LÍNGUA DOMINANTE, FICAR FLUENTE, FALAR SEM SOTAQUE DE BRASILEIRO,  ÀS VEZES NÃO É UMA QUESTÃO DE ESCOLHA, MAS DE NECESSIDADE. 

Bianca: Porque o podcast é português eu estou tentando melhor, mas se eles se eles sabem o inglês, eu vou falar em inglês, porque eu estou eu sou mais confortável falando em inglês. 

[ESSA É A BIANCA. ELA MIGROU PARA OS EUA COM A MÃE QUANDO ELA TINHA UNS 7 ANOS DE IDADE. 

Bianca: Eu estava segurando minha boneca, minha Emília do Sítio do Picapau Amarelo. Eu vim com ela, eu tava segurando ela o tempo inteiro no airplane. Aí quando eu vim aqui eu só lembro começando a escola estava bem nervosa porque não sabia inglês.

BIANCA PRECISOU APRENDER O INGLÊS RAPIDAMENTE PORQUE ELA PRECISAVA AJUDAR  A MÃE TRADUZINDO AS MENSAGENS DOS CLIENTES, AS CONSULTAS MÉDICAS E ATÉ AS REUNIÕES NA ESCOLA 

Bianca: Até lá na escola nunca falei português depois que aprendi, era mais inglês. Até com as amigas brasileiras.     Eu tento não usar o português…

ESSES JOVENS VIVEM DENTRO DA SOCIEDADE AMERICANA ONDE EXISTE UMA PRESSÃO COLONIZADORA PARA  SABER FALAR “COMO AMERICANO”.  

ESSE “COMO AMERICANO” É SUPER ENTRE ASPAS, PORQUE O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSE JEITO DE FALAR É A IMAGEM DO AMERICANO BRANCO, LOIRO DE OLHOS AZUIS DE CLASSE MÉDIA.

PRA ALGUNS IMIGRANTES OU DESCENDENTES DE IMIGRANTES, “FALAR COMO AMERICANO” É O ÚNICO CAMINHO PARA SE SENTIR ACEITO. É COMO SE ESSES JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO PRECISASSEM ESCONDER QUE FALAM OUTRA LÍNGUA. 

E COMO SABEMOS, UMA LÍNGUA QUE NÃO É FALADA ACABA SENDO ESQUECIDA. 

PARA OUTROS O CASO É DIFERENTE. ALGUNS RESISTEM A ESSA COLONIZAÇÃO LINGUÍSTICA COM MUITO ORGULHO.

Laura Luiza:  Para mim meu português era perfeito. 

ESSA É A LAURA LUIZA, E ELA VAI CONTAR DE UM MOMENTO EM QUE O CORAÇÃO BRASILEIRO DELA FOI ESTRAÇALHADO 

Laura Luiza: Eu não sabia que tinha sotaque quando eu falava em português. E estava uma vez, a gente estava numa festa no chuck and cheese. E um das mães falou que meu sotaque era tão bonitinho. ” É o seu sotaque de de americano é tão bonitinho.” O meu coração foi estraçalhado em tanto pedaço. Eu fiquei, eu não tenho sotaque! Eu eu fiquei pensando, eu não tenho sotaque. Não tem jeito, não tem. Eu só falo português em casa. Eu sou obcecado com a novela. Só escuto música brasileira. Eu Eu e a Anitta somos assim como… Luan Santana no rádio e todo dia indo pra escola! Eu tenho sotaque? Eu fiquei quase pálida, eu fiquei lá, eu lembro do resto da noite eu só fiquei sentado lá, quase calada de choque que eu tinha… Se tinha uma língua para eu ter sotaque, tinha que ser o inglês.

A LÍNGUA É UM CÓDIGO VIVO. E UMA LÍNGUA SE MISTURA COM A OUTRA, E DESSA MISTURA SURGE UM NOVO JEITO DE FALAR O PORTUGUÊS 

MAS LAURA, EU TENHO UMA PERGUNTA, ALGUMAS PESSOAS DIZEM QUE O PORTUGUÊS É MAIS COMPLICADO, É MAIS DIFÍCIL DE APRENDER. FOI ASSIM PRA VOCÊ?

Laura Luiza: Quando era criança tinha palavras que eu falava que não saía. O “aniversário” para mim era difícil por demais, o eu falava “adversário”. Eu falava o “liquidifiquiador.” “Paralelepípedo” não dava.

HELENA, E PRA VOCÊ?

Helena: Eu consigo ler. Escrever é um pouquinho mais difícil para mim, especialmente por causa dos acentos. Geralmente quando eu estou mandando mensagem para os meus amigos no Brasil eu preciso usar o audio-type bastante, porque tipo, eu não sei como escrever os acentos, qual é o acento certo, coisa assim.

EU SEMPRE TIVE A IMPRESSÃO QUE SE COMUNICAR COM AMIGOS EM UMA LÍNGUA QUE NINGUÉM AO REDOR  ENTENDE É QUASE UM SUPER PODER. TIPO, LÍNGUA SECRETA. A LARA FALOU QUE ELA SENTE ALGO BEM PARECIDO

Lara: Mas eu acho que falar português. Eu sempre gostei da ideia de sair na rua e falar alguma coisa para minha mãe e ninguém entender.

ADQUIRIR UMA SEGUNDA OU TERCEIRA LÍNGUA É ADQUIRIR UM NOVO JEITO DE FALAR, DE PAUSAR, RESPIRAR, E DE SER NO MUNDO. 

SIM, CLARO QUE É IMPORTANTE SABER FALAR A LÍNGUA DO LUGAR ONDE A GENTE MORA. E SABER FALAR VÁRIAS LÍNGUAS. MAS, A NOVA LÍNGUA NÃO PRECISA APAGAR O TEU SOTAQUE, A TUA HERANÇA CULTURAL E TUAS EXPERIÊNCIAS. OU APAGAR A TUA MÃE, TEU PAI E ANTEPASSADOS. E, PRINCIPALMENTE, NÃO PRECISA APAGAR A DIVERSIDADE DE TEU DNA.

[música fazendo transição 

MAS ALÉM DAS LÍNGUAS E DOS SOTAQUES QUE FORMAM NOSSAS IDENTIDADES TEM TAMBÉM A NOSSA PELE… A GENTE VAI FAZER UM INTERVALO E VOLTAMOS CONVERSANDO COM ESSES JOVENS DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BRASILEIROS-AMERICANOS SOBRE RAÇA. FICA AÍ, OUVE O NOSSO RECADO E AGENTE JÁ JÁ VOLTA. WE WILL BE RIGHT BACK. STAY THERE!

e entra o intervalo de anúncios]

VOLTAMOS! 

NO ANO PASSADO, NO MEIO DO PICO DA PANDEMIA DO COVID-19, O GOVERNO AMERICANO ESTAVA TENTANDO TERMINAR A COLETA DO CENSO. E NO QUESTIONÁRIO TINHA PERGUNTAS SOBRE RENDA, MORADIA, NÚMERO DE PESSOAS NA FAMÍLIA, ESCOLARIDADE E TAMBÉM SOBRE RAÇA E ETNIA.

E OS DADOS COLETADOS MOSTRAM UM RETRATO BEM INTERESSANTE DA   IDENTIDADE RACIAL DA POPULAÇÃO AMERICANA HOJE. 

ALIÁS IDENTIDADE DE RAÇA É UMA DAS COISAS MAIS COMPLEXAS PARA SE DEFINIR PORQUE NÃO É UMA COISA CIENTIFICAMENTE ESTABELECIDA. 

MAS, SEM ENTRAR NA COMPLEXIDADE DO ASSUNTO, O CEN SO MOSTROU QUE A POPULAÇÃO BRANCA AMERICANA ESTÁ DIMINUINDO. 

E AGORA O DADO MAIS SURPREENDENTE,… ESTÃO PREPARADOS ? ENTÃO LÁ VAI… O SEGUNDO GRUPO RACIAL MAIS POPULOSO DOS ESTADOS UNIDOS É [som de tambores] “OUTRAS RAÇAS” 

SIM. OUTRAS RAÇAS. 

MAS QUEM SÃO ESSES “OUTRAS RAÇAS” É COMPLICADO DE SABER

PORQUE  NA REAL, EXISTE UMA GRANDE CONFUSÃO ENTRE O CONCEITO  DE RAÇA – QUE FOI ARTIFICIALMENTE CRIADO PARA SEPARAR PESSOAS BRANCAS DE PESSOAS NÃO-BRANCAS E FALSAMENTE PRIVILEGIAR O GRUPO DOS BRANCOS –  E A DEFINIÇÃO DE ETNIA. DE ACORDO COM O GOVERNO E SOCIEDADE AMERICANA, LATINO É ETNIA E NÃO RAÇA.

AGORA IMAGINA ESSA CONFUSÃO NA CABEÇA DA PRIMEIRA GERAÇÃO DE BRASILEIROS-AMERICANOS AQUI NOS EUA. TENDO ESSES JOVENS A HERANÇA CULTURAL BRASILEIRA NA VIDA DELES,  SÃO ELES BRANCOS? SÃO ELES LATINOS? SÃO LATINOS NÃO- BRANCOS? SÃO LATINOS BRANCOS? ELES SÃO O QUE?

RESOLVI PERGUNTAR ISSO PRA ELES.

NA MINHA CONVERSA COM O GLEIDSON, EU FIZ A SEGUINTE PERGUNTA

Helo: Como é que você se identificaria em termos de raça? 

Gleidson: Em termos de raça? [E] Bom, Eu me identifico mais como americano porque eu passei a maioria da minha vida aqui né… A maior parte da minha vida morando nos Estados Unidos 

Helo: Em termos de raça a questão racial. Você se identificaria como branco ou negro? ] 

Gleidson: Um. Como latino por exemplo? 

Helo: Sim. 

Gleidson: Sim. Me identificaria como latino. 

Helo: É um latino branco? Ou latino negro? Ou latino Brown? 

Gleidson: Nunca pensei eu pensei nisso. Eu acho que Latino mesmo.

BIANCA DECLARA SUA IDENTIDADE ÉTNICA RACIAL ASSIM

Bianca: Eu sinto americano porque eu não eu não conheço muito o Brasil só pelas fotos mesmo. Eu acho que eu sou mais americana porque eu sinto mais confortável falar inglês e eu conheço aqui mais.

PARA A LARA, QUE TEM MÃE BRANCA BRASILEIRA E PAI NEGRO DA REPUBLICA DOMINICANA, ELA SE VÊ EM UMA MISTURA. MAS QUANDO ELE ERA CRIANÇA ELA NÃO ENTENDIA MUITO BEM ESSA RELAÇÃO DE ETNIA E COR DE PELE. 

Lara: E eu quando eu acho que tinha uns quatro anos, minha mãe sempre fala que eu falei para ela alguma coisa que eu sou branca. E ela falou para mim: não, Você não é a branca, eu sou brasileira ahh e seu pai é dominicano afro latino e você não é americana branca igual aos seus amigos. Tipo eu sou… Eu tenho   eu tenho o privilégio de ter pele dessa cor, mas eu não sou branca.

O QUE A LARA DESCREVE PARECE BEM MALUCO NÉ. É COMO SE ESSES JOVENS BRASILEIROS-AMERICANOS VIVESSEM UMA RAÇA DENTRO DE CASA E OUTRA FORA. HELENA TAMBÉM TEM UMA PERCEPÇÃO SEMELHANTE A DE LARA EM RELAÇÃO A SUA COR DE PELE QUE É INTERPRETADA DIFERENTEMENTE NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS

Helena: Me considero branca porque ahn minha mãe é metade branca e o meu pai completamente é. Mas eu tenho um avô índio. ahn, então Geralmente eu me considero branca. Especialmente no contexto brasileiro. Mas eu acho que na América tem um jeito diferente de tipo classificar etnia. Eu tenho amigos que tipo eu perguntei isso e eles não me pensam como branca. Eles me pensam como latina, como uma categoria separada.

Helena: Mesmo aqui, tipo… Onde várias pessoas me consideram latina, não completamente branca, ainda tem esse privilégio de ter pele clara e ver isso me dá bastante privilégio porque eu acho que eu não ia ter se eu tinha a pele mais escura, ou coisa assim.

JÁ A LAURA LUIZA  TEM UMA EXPERIÊNCIA BEM DISTINTA DOS OUTROS JOVENS DESSE GRUPO. 

Laura Luiza: Entre os americanos a coisa mais óbvia era que eu era preta, não era que eu era brasileira. E entre os brasileiros também pela primeira olhada eles nunca achavam que eu era brasileira.

Laura Luiza: É muito difícil achar uma brasileira negra aqui nos Estados Unidos.  

Minha raça foi a coisa mais difícil para mim lidar na minha identidade. Para mim sendo brasileiro e sendo filho de imigrante foi fácil. Nunca nunca me deu um certo vexame ou problema de falar, mas a minha raça sempre se apresentou de um jeito que de todos os lados me estava apresentando algum problema. 

Me levou muito tempo de ser confortável em falar que eu sou negra    e é isso.

Eu tinha muita raiva do sistema quando eu era mais jovem. E por muito tempo eu tinha raiva de mim.

LAURA LUIZA, SE TU TIVESSES QUE RESPONDER O QUESTIONÁRIO DO CENSO SOBRE A TUA IDENTIDADE RACIAL E ÉTNICA HOJE, O QUE TU DIRIAS? QUEM TU ÉS? 

Laura Luiza: Eu sou afro-latina. Isso também é um grupo ignorado e muito pouco falado.

SENDO AFRO-LATINA, COMO FOI PRA TI CRESCER NOS ESTADOS UNIDOS?

Laura Luiza: Eu era. Era óbvio que eu estava tentando ser uma coisa que eu não era. Eu esticava o meu cabelo toda semana. Mas eu também tinha problemas comigo com a falsidade da imagem que eu tava… Projetando. E… Olhando para trás, para aquela menina que eu era, eu me sinto bem mal que eu tinha que passar por aquela fase para chegar onde estou hoje. Porque eu acho que muitas meninas negras passa aquela fase que é, antes de achar essa liberdade… entre vendo as mulheres que vêm antes da gente e como a beleza de nossa pele, nosso cabelo… a gente tem que passar por aquela fase que é aquela de tentar replicar tudo o que a gente vê no nosso meio.

[pausa de 3-4 segs alguma musica ou atmosfera aqui]

Laura Luiza : Eu fiz a decisão que eu nunca ia colocar nenhum produto no meu cabelo mais. A conexão de cabelo e sendo negra, é uma história do começo até o fim. Toda a fase de ativismo você acha uma conexão cabelo.

LAURA LUIZA CONTOU QUE NA ESCOLA PÚBLICA QUE FREQUENTOU, DENTRO DE UMA CIDADE COM A MAIORIA DA POPULAÇÃO SENDO DE IMIGRANTES, ELA PERCEBIA CLARAMENTE A DISCRIMINAÇÃO RACIAL

Laura Luiza : A diferença é muito maior que você vê que as crianças que eram negras na minha escola eles levaram sua suspensão no nível três vezes com… uma criança branca que faziam a mesma coisa.

SER MULHER NEGRA, SER IMIGRANTE, E SER LATINA  NOS ESTADOS UNIDOS É UM DESAFIO DIÁRIO GIGANTESCO! 

PRA VOCÊS TEREM UMA IDEIA DA LUTA E DO ESFORÇO, LAURA LUIZA VAI CONTAR ALGO QUE ACONTECEU COM ELA. 

SÓ PARA ESCLARECER, LAURA LUIZA E ARTHUR, O ARTHUR QUE TAMBÉM ESTÁ NESSE EPISÓDIO, SÃO NAMORADOS. E O CASO QUE ELA VAI CONTAR, ELE ESTÁ PRESENTE. 

PRA EU NÃO INTERROMPER O RELATO DELA COM EXPLICAÇÕES, DEIXA EU MONTAR A CENA PRA VOCÊS. LAURA LUIZA COM 17 ANOS E ARTHUR COM 18 ANOS. OS DOIS VÃO AO SUPERMERCADO PRÓXIMO DA CASA DELA. LAURA LUIZA ESTÁ DIRIGINDO. ELA TEM UMA CARTEIRA DE MOTORISTA PROVISÓRIA QUE É DADO AOS ADOLESCENTES COM 17 ANOS. ELES CHEGAM. ENCONTRAM O QUE ELES ESTAVAM PROCURANDO, PAGAM, E NA SAÍDA, SÓ DE GALHOFA, ARTHUR AGARRA A NAMORADA POR TRÁS

Laura Luiza: ele me abraçou de trás. E me levantou e depois me colocou no chão. A gente continua andando de volta para o carro e eu ia dirigir de volta para casa. Quando a gente está tentando sair entra a polícia  para o nosso carro. E o policial fala assim: Você acabou de sair do mercado? E eu, sim. E ele: pull over! No momento, tudo o que você já aprendeu sobre seus direitos, o que falar o que não falar, tudo sai. Porque eu desde criança tenho medo de policial, de chorar muito tudo. Qualquer coisa que eu tinha que lidar com policial me dava muito medo.

Pelo primeiro falar ele foi agressivo comigo. Tem dois dois carros de policiais e tem três policiais só eu e Arthur. 

O mercado chamou e falou que alguém estava sendo raptado. Com Arthur me pegou, eles pensavam que o Arthur tava me pegando para me levar. E podia ter terminado ai. Eu falei não, estou com meu namorado. Esse é meu namorado.Ele, depois ele perguntou pelo meus documentos. E claro, eu agora com muito medo, eu tentando achar achar o meu permit… Eu estou sem meu permit! Deixei em casa. Ele começa a gritar comigo. Gritando gritando gritando comigo que eu estava sendo irresponsável dar.

[… musica dramática]

E eu vi que ele não estava falando com o Arthur. Nenhum, nenhuma vez que ele …no tempo inteiro, ele nunca perguntou Arthur nada. Ele perguntou por meus documentos. Ele perguntou por que eu estava aqui. O outro policial não fez nada. Ele perguntou Arthur como estava indo a noite dele, se estava tudo bem, começou a falar sobre coisas como o tempo lá fora… E depois ele pediu para eu sair do carro. E claro eu sabia que não precisava sair. Mas quando está numa situação dessa eu não queria ter a impressão que eu estava sendo como lhe chamam na mídia como difícil. 

Porque neste nosso país essa ideia de ter um policial e ter uma pessoa negra e essa pessoa negra está sendo difícil entre aspas, dá razão de qualquer incidente acontece depois disso.

Então ele me pede sair do carro e eu saio e eu fico de trás pro carro.Eu saio bem devagar dando sinal que eu estou abrindo a porta do carro que eu estou saindo.Arthur não precisou sair, ele podia ficar dentro do carro, janela fechada, porta fechada, no celular dele. Eu não foi dada nenhum desses direitos. O policial continua gritando comigo. Ele continua perguntando de onde eu sou? Por que eu estou aqui? Por que eu fui para o mercado? Eu fui comprar um biscoito. Nada mais. E eu ia embora.. é é é uma andada de carro que deve ser uns dois minutos da minha casa. Eu moro na comunidade, esse é o mercado que eu vou quando preciso de uma coisa rápida.

Quando ele me perguntava alguma coisa Arthur tenta falar por mim. Mas isso em si me… Me fez inconfortável. E ele não sente o medo que eu sinto. Pela primeira vez na vida dele, ele tava vendo na vida real o exemplo de racismo óbvio de polícia e alguém alguém com uma pessoa de cor. No meio do meu medo tinha uma raiva. Uma raiva de eu não me defender, de estar com muito medo para falar alguma coisa de que eu estava sendo abusado pelo sistema porque como eu era de menor, nem nenhuma coisa que ele falasse comigo ele podia falar sem a presença dos meus pais. No meio do meu medo eu não tinha essa habilidade de stand up for myself como eu sempre pensava que eu ia fazer num momento desse. Eu não não não fiz nada disso. Eu Só chamei meu pai chorando, pedindo para ele vim me ajudar. E meu pai também sendo imigrante, também tinha um certo nível de medo. Não só para mim sendo a filha dele sozinha como policial, mas de como que ele podia me ajudar quando chegar lá, com o sotaque dele… Com homem branco versus homem imigrante.

Meu pai, ele no meio de tentando me proteger, em vez de entrar na defesa, ele só pedindo perdão, perdão, perdão. Falando que era nosso mistake, nosso mistake. Mas o meu pai, que é um homem de sempre tá na defesa, sempre se defender. Nessa situação, pela nossa seguridade, ele fez a escolha de não usar o orgulho dele, mas usar o bom senso dele para proteger nós dois. 

E o ponto que me deu a mais raiva foi quando ele finalmente falou que eu podia ir, ele falou assim: que ele podia ter feito pior.

O problema não é aquele um policial. Ele estava errado, mas ele faz parte de um sistema de polícia que não tem nada a ver com honrar a lei ou proteger a gente.

Depois daquele momento tudo que eu via em relação à opressão do negro eu me sentia mais envolvida. Eu me sentia mais conectada eu me sentia mais parte porque eu também era uma vítima de uma coisa normalizada nos Estados Unidos que essa polícia para ser negro no carro está no errado e qualquer coisa que você faz você pode ser. Como depois daquele momento senti parte quando eu vi o George Floyd quando eu vi a Breona Taylor… dava mais dó porque eu não me sentia tão longe eu me sentia mais perto ainda.

A minha história não importa para a sociedade porque eu não morri ao final.  Eu não sou um rashtag. Eu não sou uma camiseta. Eu não sou uma passeata. E a gente só começa a ter a conversa, a gente só começa a pressionar o sistema quando alguém morre.

musica dramática]

A CONVERSA SOBRE IDENTIDADES COM OS FILHOTES  DE GENTE IMIGRANTE, AINDA NÃO TERMINOU. NÓS VAMOS CONTINUAR NA SEGUNDA PARTE DESSE EPISÓDIO, TE ESPERO LÁ.

OBRIGADA POR ESCUTAR O FAXINA E TE ENCONTRO NA SEGUNDA PARTE. TCHAU!

Creditos:

Esse episódio foi produzido por mim Heloiza Barbosa e Valquiria Gouvea

Roteiro de Heloiza Barbosa

Edição de Heloiza Barbosa e Felipe Ivaniska

Trilha Original de Paulo Pinheiro

Trilha adicional de Blue Dot Sessions e biblioteca de áudio do Youtube

Musica Tema do Faxina é de Anais Azul

Ilustração de Natalia Gregorina

Doações no Brasil pode ser feitas no https://apoia.se/faxinapodcast

Doações no exterior podem ser feitos no site do https://www.gofundme.com/f/faxina-podcast-ignored-stories-of-housecleaners?qid=e2382349c3469cb24a15c949fffdaeac

Essa temporada do Faxina teve apoiao da PRX e Google Podcast Creators Program