
É o Brasil uma terra de oportunidades para imigrantes que precisam de uma nova casa para chamar de sua? O Faxina podcast foi até São Paulo ouvir um imigrante de Burkina Faso, país Africano, que foi parar no Brasil vítima de um golpe de uma falsa empresa brasileira que lhe prometeu um contrato de trabalho. Ele não conhecia ninguém e não falava a língua. Mas o pesadelo virou dança e, se tudo der certo, vai virar restaurante também. Imigração é movimento, é transformação dentro e fora da gente. Imigração é um direito humano. Ouça agora!
Is Brazil a land of opportunity? Faxina podcast went to São Paulo to bring a story of an immigrant from Burkina Faso who ended up in Brazil after he fell for a crooked promise of a job. Without knowing the language and nobody in the new country, he navigated the urban spaces of the big city. Eventually the nightmare became a dancing dreaming, and maybe it will also become a restaurant. Listen it now!
Créditos:
- Produção: Heloiza Barbosa e Natália André
- Roteiro: Heloiza Barbosa, Natália André, Anaíra sarmento e Valquiria Gouvea
- Edição de áudio: heloiza Barbosa, Paulo Pinheiro e Diogo Saraiva
- Trilha Sonora de Paulo Pinheiro e Diogo Saraiva
- Musicas: Diogo Saraiva, Paulo Pinheiro, Free Music Archive, Música Brasileira em Domínio Público e Banda Falamansa
- Musica Tema : Anais Azul
- Ilustrações: Natália Gregorini @nataliagregorini
UM PASSO PRA LÁ, DOIS PRA CÁ
OI! AQUI É HELOIZA BARBOSA E ESSE É O ESPAÇO DE SONS E HISTÓRIAS DO FAXINA PODCAST.
DESDE QUANDO O FAXINA PODCAST COMEÇOU A GENTE VEM CONTANDO HISTÓRIAS DE IMIGRANTES BRASILEIROS NOS EUA QUE TRABALHAM COM FAXINA. AÍ, NESSA SEGUNDA TEMPORADA, COM AS NOTICIAIS DE NOVOS IMIGRANTES ENTRANDO NO BRASIL VINDOS DA ÁFRICA, HAITI, E VENEZUELA, A GENTE FICOU CURIOSA PARA SABER O QUE ACONTECE QUANDO ESSES IMIGRANTES CHEGAM NO BRASIL? QUE TIPO DE TRABALHO E EMPREGO ELES CONSEGUEM DESCOLAR? SERÁ QUE ELES TAMBÉM TRABALHAM COM FAXINA? É O BRASIL UMA TERRA DE OPORTUNIDADES PARA ESSES IMIGRANTES? QUE TRANSFORMAÇÕES OCORREM NO IMIGRANTE QUE MORA NO BRASIL E NOS BRASILEIROS?
FOI ASSIM QUE NASCEU A SÉRIE “SONHOS SEM FRONTEIRAS” COM 3 EPISÓDIOS SOBRE AS HISTÓRIAS DE DOIS IMIGRANTES DO CONTINENTE AFRICANO E UMA FAMÍLIA DA VENEZUELA QUE HOJE TEM O BRASIL COMO SUA CASA.
O EPISÓDIO DE HOJE É O SEGUNDO DA SÉRIE, E NESSE EPISÓDIO TU VAIS OUVIR UMA HISTÓRIA DE COMO A IMIGRAÇÃO CAUSA TRANSFORMAÇÕES DENTRO E FORA DA GENTE E, ÀS VEZES, PODE LITERALMENTE COLOCAR A GENTE PRA DANÇAR .
ENTÃO, TE PREPARA PARA ESCUTAR “DOIS PASSOS PRA LÁ E DOIS PRA CÁ”
[MUSICA DE MERENGUE…]
EU JÁ CONTEI AQUI… QUE UMA DAS MEMÓRIAS MAIS PRECIOSAS QUE GUARDO DA INFÂNCIA VIVIDA EM BELÉM ERA DAS FESTAS DE RUA, QUANDO MEU PAI DANÇAVA MERENGUE, LAMBADA, FORRÓ, CARIMBÓ. AHHH QUE DELÍCIA… MINHA IRMÃ MAIS VELHA, É UM PÉ DE VALSA IGUAL AO MEU PAI. E COM ELA EU APRENDI A DANÇAR …
EU AMO DANÇAR! E AÍ, EU DECIDI QUE ERA MEU DEVER DE MÃE ENSINAR A MINHA FILHA HELENA A DANÇAR OS RITMOS BRASILEIROS. ELA, GENEROSAMENTE, ME DEIXOU GRAVAR A NOSSA AULA, ESCUTA SÓ…
[AUDIO DE HELENA E HELO NA AULA DE DANÇA]
AHHH… É ESSA ALEGRIA DOS RITMOS E DA ARTE QUE NASCEU NO BRASIL, PRINCIPALMENTE DENTRO DAS COMUNIDADES DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA, DAS COMUNIDADES DE POVOS ORIGINÁRIOS E POVOS RIBEIRINHOS, QUE EU CARREGO DENTRO DE MIM COMO IMIGRANTE.
MAS ESSA ALEGRIA PARECE QUE DESAPARECEU DO BRASIL HOJE . O PAÍS ESTÁ NAS MANCHETES DOS JORNAIS DO MUNDO POR SER O PAÍS ONDE HÁ MAIS CASOS DE VIOLÊNCIA COMETIDA CONTRA AS MULHERES […], O PAÍS QUE MAIS MATA SUA POPULAÇÃO NEGRA E JOVEM, E PESSOAS TRANS . […] O PAÍS ONDE A FOME, A MISÉRIA, E A FALTA DE ACESSO À SAÚDE E EDUCAÇÃO VOLTOU A AUMENTAR EM NÚMEROS GIGANTESCOS.
SERÁ QUE O BRASIL DE HOJE PODE SER UM LUGAR DE OPORTUNIDADES E ALEGRIA PARA IMIGRANTES EM NECESSIDADE DE UMA NOVA CASA? SERÁ O BRASIL UM LUGAR DE CULTIVAR SONHOS? CONFESSO QUE EU NÃO SOU OTIMISTA A ESSE RESPEITO
MAS A JORNALISTA NATÁLIA ANDRÉ – QUE VOCÊS CONHECERAM NO ÚLTIMO EPISÓDIO – ME COLOCOU EM CONTATO COM UMA HISTÓRIA QUE LITERALMENTE ME FEZ DAR “DOIS PASSOS PRA LÁ E DOIS PRA CÁ”, COMO UMA DANÇA E MUDOU UM POUCO A MINHA PERCEPÇÃO
[TRANSIÇÃO]
[ENTRAR AQUI COM O AUDIO DA FATIMA BERNARDES]
—————- [ABDOULAYE GUIBILA].
ESSE É O ABDOULAYE GUIBILA. SIM ELE MORA NO BRASIL E ATÉ JÁ FOI NO PROGRAMA DA FÁTIMA BERNARDES. MAS VAMOS COMEÇAR ESSA HISTÓRIA DO ABDOULAYE BEM ANTES DELE SER ASTRO GLOBAL
AH O ABDOULAYE DISSE QUE EU POSSO CHAMA-LO DE ABDOUL.
ENTÃO, O ABDOUL TEM 32 ANOS. NASCEU EM BURKINA FASO, UM PAÍS QUE FOI COLONIZADO PELA FRANÇA, E FICA NA PARTE OESTE DO CONTINENTE AFRICANO, AO SUL DO DESERTO DO SAHARA E COM FRONTEIRAS COM A NIGÉRIA, GANA E COSTA DO MARFIM.
OUTROS FATOS IMPORTANTES DE BURKINA FASO É QUE É UM PAÍS COM CERCA DE 20 MILHÕES DE HABITANTES. E É O PAÍS QUE MAIS PRODUZ ARTESANATO DO CONTINENTE AFRICANO E COM GRANDES MANIFESTAÇÕES ARTÍSTICAS.
A ECONOMIA DE BURKINA FASO É QUASE TODA BASEADA NA EXPLORAÇÃO DO OURO, NO CULTIVO DO ALGODÃO E NA AGRICULTURA DE SUBSISTÊNCIA. MAS O CLIMA PROPENSO A SECAS LONGAS COMPLICA A VIDA DE QUEM DEPENDE DA TERRA PRA COMER.
E SEGUNDO UM ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO QUE MONITORA A FOME NO MUNDO, 88% DAS CRIANÇAS DE BURKINA FASO SOFREM DE ANEMIA E OS CASOS DE MALNUTRIÇÃO TÊM CRESCIDO. 43% DA POPULAÇÃO DE BURKINA VIVE ABAIXO DA LINHA DE POBREZA.
ALÉM DISSO, A HISTÓRIA POLÍTICA DO PAÍS É CHEIA DE GOLPES DE ESTADO E ASSASSINATOS QUE DEPUSERAM LÍDERES POLÍTICOS. SE VOCÊ FOR PESQUISAR SOBRE BURKINA AGORA, VAI ENCONTRAR CONFLITOS SANGRENTOS DE POUCAS SEMANAS ATRÁS.
O ABDOUL CONTOU QUE ELE CRESCEU EM BOBO DIOULASSO, QUE É A SEGUNDA MAIOR CIDADE DE BURKINA FASO. E ELE VEM DE UMA FAMÍLIA NUMEROSA, SÓ DE IRMÃOS SÃO…
#1 [00:00:07-00:00:22] Abdoulaye: Somos seis ao total. O meu pai teve 3 mulheres né. A primeira teve um filho. A segunda teve três filhos, e a terceira teve dois filhos. Eu Sou um dos filhos da segunda mulher.
QUANDO ABDOUL TINHA 3 ANOS DE IDADE, O PAI DELE MORREU E FAMÍLIA FICOU MAIOR AINDA PORQUE ABDOUL E OS IRMÃOS FORAM MORAR COM UM TIO PATERNO
Lá na África a gente morava todo junto né. Então meu tio também tinha os filhos que é nossos primos. Então a gente morava tudo junto, numa casa mesmo, bem grande.
ENTÃO, SOMANDO OS FILHOS DO PAI DO ABDOUL E MAIS OS FILHOS DO TIO E AS ESPOSAS, ERAM MAIS OU MENOS 20 PESSOAS MORANDO JUNTO. ABDOUL LEMBROU QUE ONDE ELE DORMIA ERA UM QUARTO PRA CINCO PESSOAS, E QUE DORMIA TODO MUNDO EMPILHADO
Para mim era bem horrível, porque você não gostava mas ao mesmo tempo era o único que a gente também tinha. O único lugar.
E NESSA FAMÍLIA NUMEROSA, ALGUNS ERAM TRATADOS COMO SENDO MAIS DA FAMÍLIA DO QUE OUTROS E AS COISAS COTIDIANAS ACONTECIAM COM DESAFIOS
A gente não tinha tanta condições. O meu tio realmente ele tinha um pouquinho, mas dava mais preferencial para os filho dele e não da gente. A gente precisava de sabonete para tomar banho, tinha que pedir pra ele, Então é a questão de tudo isso, até pra tomar banho mesmo era bem complicado. Era bem complicado. Era horrível. Não sei como descrever era bem horrível, não era mesmo no banheiro, você tinha que tomar banho fora de casa porque o banheiro era reservado somente para os pais, a mãe, e os tio. Não tinha água encanada também. Tinha quantidade que você tinha que pegar e a hora que você podia pegar e a hora que você não podia pegar.
Era horrível, então eu Sempre sonhei mesmo em sair de lá pra procurar uma vida melhor e poder ajudar a minha mãe.
A MÃE DE ABDOUL É DA COSTA DO MARFIM, QUE É PAÍS VIZINHO DE BURKINA FASO, E POR ISSO ABDOUL FALA DUAS LÍNGUAS AFRICANAS, E TAMBÉM O FRANCÊS QUE É A LÍNGUA DO COLONIZADOR DE SEU PAÍS
Eu falo Moré, eu falo Diula também. Diula é da parte da minha mãe. E Moré é da parte do meu pai. A família exigia: você não esquece isso porque isso aqui é a sua raiz, você esquece, perdeu, aí não vai ter mais. Em casa tinha que falar esse dialeto, aí Lá fora tem que falar francês.
MAS DURANTE 13 ANOS ABDOUL NÃO PODE FALAR COM A MÃE EM LINGUA NENHUMA E DE JEITO NENHUM. DEPOIS DA MORTE DO PAI, A MÃE DE ABDOUL FOI EXPULSA DA FAMÍLIA. ABDOUL EXPLICOU PORQUE ISSO ACONTECEU
Depois do falecimento do meu pai, eles ofereceram ela pra meu tio, pra ela se casar com meu tio, só que ela não quis. … Então ela tinha que sair fora, por isso que ela foi embora e não podia levar a gente porque a gente era da família. … a cultura africana é bem diferente. Os filhos são pra família.
A FAMILIA NO QUAL SÓ O LADO PATERNO É IMPORTANTE, É UMA FAMÍLIA PATRIARCAL EM QUE O HOMEM É O CENTRO DE TUDO. E ESSA IDEIA DE FAMÍLIA PROVOCOU SEPARAÇÃO ENTRE MÃE E FILHOS. O AFASTAMENTO FORÇADO DA MÃE DEIXOU MARCAS EM ABDOUL
Mas eu tava com essa mágoa ai muito grande porque a minha mãe saiu quando eu era criança… não quis… Não gosta da gente o que.
Eu realmente foi difícil eu chamar ela de mãe,
Cresci muito, senti muita falta disso. Eu queria muito sentir o que que é estar perto da mãe. O que que é o dia das mães. O Que é esse presente, esse carinho.
QUANDO O ABDOUL TINHA MAIS OU MENOS 16 ANOS, A MÃE DELE RETORNOU PARA BURKINA, MAS ERA PROIBIDA DE IR NA CASA E VER OS FILHOS. ABDOUL TINHA QUE PEDIR PERMISSÃO PARA O TIO PARA VISITÁ-LA POR ALGUMAS POUCAS HORAS. FOI NESSES FURTIVOS ENCONTROS QUE ELES RE-ATARAM A RELAÇÃO MÃE E FILHO.
Aí depois de ela ter contado essa história pra mim. Hoje eu posso entender ela né.
Ela não abandonou nós não, ela não podia levar a gente embora porque a cultura africana é bem diferente.
E PRA SOBREVIVER EM BURKINA, A MÃE DE ABDOUL COMEÇOU A VENDER VERDURAS E LEGUMES NA FEIRA, COM UMA ROTINA BEM DURA DE TRABALHO.
Aí eu cresci realmente vendo isso… não tava Muito feliz não […] então eu achei que eu podia dar uma vida melhor pra ela.
COM TODA A DIFICULDADE, ABDOUL CONCLUIU O ENSINO MÉDIO E CONSEGUIU ENTRAR NA FACULDADE PARA ESTUDAR ELETRÔNICA. DESDE O ENSINO MÉDIO E DURANTE OS ANOS DE FACULDADE, ABDOUL ERA ATIVISTA E PROTESTAVA CONTRA A FALTA DE TRANSPARÊNCIA E CONTRA O ASSASSINATO DE ATIVISTAS PELO GOVERNO DE BURKINA FASO. MAS ELE VIA SEUS AMIGOS SAÍREM DE BURKINA E O DESEJO TAMBÉM DE SAIR COMEÇOU A BUZINAR NA CABEÇA DELE. QUANDO ABDOUL TAVA NO SEGUNDO ANO DA FACULDADE, ELE FALOU COM UM DESPACHANTE PARA CONSEGUIR UM VISTO PARA ELE. ELE QUERIA IR OU PARA OS ESTADOS UNIDOS, OU CANADÁ, OU INGLATERRA.
E uma semana depois ele ligou pra mim falando que conseguiu o visto. […] Porém é para o Brasil.
O Brasil era a primeira vez que eu via alguém saindo e Burkina pra ir pro Brasil. eu nunca… nunca … nunca vi. Eu vi Gente saindo de Burkina ir pra Itália, pra França, visto pro Canadá, . Por isso também que eu pedi para ir lá, pelo menos quando você chega lá, você tem certeza que tem alguém de Burkina da sua terra morando lá. Se vai encontrar talvez alguém, ou alguém que fala francês, ou alguém que fala inglês. Você consegue se expressar. Pelo menos isso. É mais Brasil realmente, para mim foi a primeira coisa foi uma bomba pra mim. eu falei, nunca vi ninguém vindo aqui no Brasil.
E IMAGINA O QUE O ABDOUL CONHECIA DO BRASIL
A gente conhece realmente o Brasil por conta do futebol mesmo, dos jogadores. Conheço todos eles aqui da seleção, mais do que da minha seleção de Burkina. (risos)
Ronaldinho Gaucho ai, Ronaldinho. . Nossa casa era tudo […] de Ronaldinho Gaúcho. Tudo, tudo, tudo ele. Até hoje alguns amigos me chama de “Ronaldinho, está na terra de Ronaldinho e aí cê não viu ele?” [riso] … ele é famoso, não dá pra ver ele não [risos]
MESMO ADORANDO FUTEBOL, ABDOUL NÃO QUERIA VIR PARA O BRASIL DE JEITO NENHUM, MAS O DESPACHANTE O CONVENCEU COM A SEGUINTE PROMESSA
Ele falou que o visto que ele conseguiu era pra fazer um estágio de eletrônica aqui no Brasil. Era uma empresa que tava me contratando.
Ele falou você não vai precisar gastar nada não. É uma empresa que está te contratando pra trabalhar. Então eles vão lá te buscar no aeroporto, eles vão te levar pro Hotel, você vai ficar lá eles que vão pagar e você vai trabalhando para eles também. Com começar juntando dinheiro e fazendo sua vida
Helo: E ele chegou a te mostrar a algum documento da empresa brasileira? O nome da empresa? Alguma coisa…
Não, ele não chegou a me mostrar nada de documentação. Porém, como eu também tava com essa cabeça de sair de lá mesmo da África pra ter uma vida melhor, eu não teve muito tempo de verificar toda essas informações. Porque ele falou, ó o contato tá aqui. A empresa tem um número tá aí. Chegando Eles vão te esperar lá. Eles vão fazer uma placa aí escrever seu nome, aí você vai ser identificado lá. Caso contrário, se você não ver tudo isso, tem o contato, você pode ligar.
Aí quando eu cheguei, nada disso era verdade. O Contatos também não passava.
Helo: Você ligou?
[PAUSA]
Eu liguei, no aeroporto mesmo, não tava tocando nada. Ninguém atendia. Nada ali tava tocando.
Helo: Como era o nome da empresa?
Eu nem me lembro absolutamente nada.
[PAUSA]
MUITOS IMIGRANTES QUE SOFREM EXPERIÊNCIAS TRAUMÁTICAS EM SUAS JORNADAS DE IMIGRAÇÃO DESENVOLVEM O QUE ESPECIALISTAS CHAMAM DE AMNÉSIA DISSOCIATIVA, QUE É O QUE ACONTECE QUANDO A PESSOA QUE SOFREU O TRAUMA ESQUECE DE PASSAGENS, TRECHOS, PEDAÇOS DE EVENTOS. O QUE O ABDOUL LEMBRA DE VERDADE É QUE MESMO DAQUELA FORMA ATABALHOADA, NO DIA 9 DE SETEMBRO DE 2014, ELE CHEGOU NO BRASIL. ELE ESTAVA NO AEROPORTO DE GUARULHOS E TINHA 360 REAIS NO BOLSO
Aí chamei um taxi, dentro do aeroporto mesmo. Falei pra ele “hotel, hotel” porque não falava português, só “hotel, hotel”
O TAXISTA LEVOU O ABDOUL PRA UM HOTEL NA PRAÇA DA REPÚBLICA, NO CENTRO DE SÃO PAULO. DOIS DIAS DEPOIS, ABDOUL ENCONTROU UM IMIGRANTE SENEGALÊS QUE VENDIA RELÓGIOS POR ALI. ELES CONVERSARAM EM FRANCÊS E O IMIGRANTE FALOU PARA ELE DA “CASA DO IMIGRANTE” QUE FICAVA NA MOOCA. ESSA CASA É O ARSENAL DA ESPERANÇA, QUE É UM ESPAÇO DE ABRIGO E EDUCAÇÃO VOLTADO PARA IMIGRANTES E REFUGIADOS
Quando eu cheguei, a casa de imigração eles deram tudo pra gente. Tinha banheiro para vocês tomar banho, água quente, água gelada, torneira. Estava tudo saindo normal. Aí me lembro que eu fiquei no banheiro quase duas horas só naquela água quente que tava descendo… aí o Brasileiro falava assim, você não tem água quente na África? [risos] Não era pra todo mundo não, então isso aqui é gostoso, eu vou ficar aqui mais tempo.
[INTERVALO]
ENQUANTO O ABDOUL CURTE O BANHO DELE, A GENTE VAI FAZER UMA PAUSA PRA TE FALAR DE UM PODCAST PARCEIRO DO FAXINA E TAMBÉM DE NOSSA CAMPANHA. FICA AÍ QUE A GENTE VOLTA JÁ COM O RESTO DA HISTÓRIA
ALÉM DO BANHO QUENTE E DEMORADO, A CASA DE IMIGRAÇÃO NA MOOCA DEU À ABDOUL UM OUTRO PRESENTE QUE INICIOU SUA TRANSFORMAÇÃO
Aquela casa de imigração que eu fiquei, eu descobri que eles dava aula de português pra estrangeiro né. E a minha professora, ela se chama Sônia. Ela sempre me acompanhou, dava aula pra mim, comprou Dicionário para mim, ela era me acompanhou. Ela foi muito fundamental, ela foi a base para mim aqui no Brasil
UMA NOVA LÍNGUA, É UM NOVO JEITO DE SER NO MUNDO. QUANDO A GENTE APRENDE UM IDIOMA NOVO, A AULA É A BASE, MAS A VIVÊNCIA DA LÍNGUA É O SEGUNDO PASSO MAIS IMPORTANTE.
Meu primeiro trabalho mesmo com carteira registrada foi na obra. Trabalhava como ajudante, ajudante geral. Esse aprendizado começou na obra mesmo, porque os amigos aqui no Brasil gostam muito de brincadeira e brincava com a gente. Aí eu ficava nervoso por não tá entendendo o que eles estava falando, aí ficava pensando o que que eles estão falando de você, cada um fica rindo. Aí eu falei assim, tenho que aprender senão você vai passar muito mal mesmo aqui. Então eu me esforçava e cada vez eu aprendia com eles com a brincadeira com…
ABDOUL FOI FAZENDO AMIGOS NO BRASIL E EM CADA TRABALHO ELE APRENDIA UM POUCO MAIS DA LÍNGUA. E FORAM MUITOS OS EMPREGOS QUE ELE TEVE, DESDE DE VESTIR PLACA DE ANÚNCIOS E FICAR PARADO PRA RECEBER 50 REAIS NO FINAL DO DIA, ATÉ ENTREGADOR DE PANFLETO NO SEMÁFORO, SEGURANÇA DE BALADA NA NOITE DE SÃO PAULO, E LAVADOR DE PRATOS EM RESTAURANTES JAPONÊS E DEPOIS EM UMA PIZZARIA. A CADA EXPERIÊNCIA, ABDOUL ENTRAVA MAIS NA NOVA IDENTIDADE DE IMIGRANTE E SENTIA O DESCONFORTO COM A PERGUNTA QUE PERSEGUE NÓS IMIGRANTES SEMPRE
Parecia que estava escrito na cabeça da pessoa assim. “Isso aqui não é daqui, ele é estrangeiro.” Cada vez que parava e falava, você não é daqui não? Não sou daqui. Você é da onde? aí fica aquela conversa, aquela conversa. Todo dia, todo dia.
IMIGRANTES SABEM QUE ESSA PERGUNTA “DE ONDE VOCÊ É ?” REVELA SENTIMENTOS DE CURIOSIDADE O QUE É TUDO BEM, MAS TAMBÉM EXPRESSA SENTIMENTOS DE MEDO E DE PRECONCEITOS COM OS ESTRANGEIROS
Eu trabalhava na obra, aí a empresa me transferiu pra uma obra que fica na Avenida Paulista. E teve um dia que chegou o chefe lá, falou que ele era o engenheiro da obra. Aí ele olhou para mim assim, falou bom dia, eu respondi. Voce não é daqui? Não sou daqui. Aí ele chamou o meu chefe, aí falou que não queria me ver mais aqui na obra. Essa me marcou muito, porque eu era o único estrangeiro lá, o único.
Essa essa pergunta assim me marcou muito, porque é todo… Até hoje, no restaurante você sempre ouve chegando um novo cliente, “Você não é daqui não né?” ai vai começando aquela pergunta de seis anos até agora.
ENTÃO COMO ABDOUL MENCIONOU, ELE HOJE TRABALHA NO RESTAURANTE QUE ELE COMEÇOU COMO LAVADOR DE PRATOS. A PROMOÇÃO PARA GARÇOM ACONTECEU NUM CERTO DIA, QUANDO LÁ APARECERAM CLIENTES QUE SÓ FALAVAM EM INGLÊS, E, ADIVINHA QUEM ERA O ÚNICO QUE PODIA AJUDAR? ELE MESMO, ABDOUL, QUE FALA FRANCÊS, INGLÊS E PORTUGUÊS.
Lá em Burkina a gente falava, não os brancos são mais inteligentes porque eles têm esse recurso tudo isso, faculdade tudo isso. Que É muito mais avançado. Quando você chega aqui no Brasil a maioria fala, ah vocês que são muito inteligente porque você já fala dois idiomas diferente, você fala inglês, fala francês, agora você está falando português.
ABDOUL FOI AMPLIANDO MAIS E MAIS O LEQUE DE NOVAS EXPERIÊNCIAS QUE INEVITAVELMENTE FORAM MODIFICANDO O JEITO DELE DE VIVER. DEPOIS DE UM 1 ANO E 6 MESES NA CASA DO IMIGRANTE, ELE SAIU E ALUGOU UM APARTAMENTO. ELE COMEÇOU A LIMPAR, LAVAR, E PASSAR A PRÓPRIA ROUPA. ELE TAMBÉM FEZ UM CURSO DE GASTRONOMIA E APRENDEU A COZINHAR COMIDA BRASILEIRA. TUDO SÃO COISAS QUE ELE NUNCA TINHA FEITO ANTES, PORQUE TODAS ESSAS ATIVIDADES DOMÉSTICAS ERAM FEITAS PELAS MULHERES EM BURKINA.
Porque lá gente era muito… Quer lavar roupa, não deixava fazer porque era coisa de mulher, … os homen era somente acostumado a comer lá em casa, mas não fazia. … Hoje eu sinto muito da falta de comida de lá, mas porém eu não sei fazer comida de lá.. eu não teve essa oportunidade de me aproximar da cozinha para aprender.
Helo: Você gosta da comida brasileira?
Muito, muito. Antigamente eu tinha esse preconceito de todo dia arroz feijão de manhã, arroz feijão a noite, arroz feijão… foi bem difícil, mas assim me adaptei. Eu hoje o dia que não como arroz feijão sinto que não comi não.
UMA OUTRA TRANSFORMAÇÃO RADICAL NA VIDA DE ABDOUL NO BRASIL FOI A FORMA COMO ELE PERCEBE A MULHER NA SOCIEDADE.
Infelizmente na África existe ainda essa questão de machista, de homem se achando em cima da mulher e a mulher é feito para ficar mesmo em casa, só pra fazer filho, só pra cuidar da casa né, fazer comida pro marido e fazer tudo do jeito que ele quer né. Tem realmente esse preconceito muito grande na África de que a mulher é realmente pra baixo.
Eu quando tava lá, cresci vendo o meu tio batendo também na minha tia. Eu não gostava, mas eu não podia fazer absolutamente nada. Eu não gostava, não podia fazer nada.
Até mulher mesmo na sociedade, assim no governo trabalhando como funcionário público é muito pouco, é muito.
Aqui no Brasil tem essa diferença. A mulher tem escolha, ela escolhe fazer o que ela quiser. Se ela quiser ficar em casa, Ou se ela querer estudar, fazer as coisas, comprar as coisa que ela precisa, que ela quer.
E AÍ EU FIZ UMA PERGUNTA DO CORAÇÃO…
Helol: Você já se apaixonou por uma brasileira?
já já, duas vezes.
A PRIMEIRA NAMORADA ABDOUL CONHECEU NO CURSO DE GASTRONOMIA
Eu não sabia escrever, então quando mandava mensagem errada ela corrigia, é cebola picada, falei como que é cebola picada, aí ela dava exemplo, pegava assim aí cortava [risos].
Foi muito fundamental para mim também. Aprendi bastante, muito, muito. Mas infelizmente acabou não dando certo. A gente até hoje somos muito, muito, mas muito amigo mesmo, muito amigo.
Helo: E porque que não deu certo?
Ah não deu certo porque ela falou que eu era muito ciumento, ficava olhando ela, e falava com alguém, Queria saber com quem tá falando. Eu falei, então na minha cultura é assim quando você gosta tem que cuidar direitinho. Ela falou, eu também gosto, mas não quero que você fique a cada hora de olho assim. …
Helo: E a segunda paixão?
Ah a segunda paixão, essa teve problema com a minha mãe né. Nessa segunda eu mandei as fotos para minha mãe e a minha mãe falou que não gostou muito não. E eu Falei, e aí? mas eu gostei dela, ela é muito gente boa.
SÓ LEMBRANDO QUE ABDOUL FOR FORÇADO A SE AFASTAR DA MÃE POR 13 ANOS, DEPOIS A RELAÇÃO DELES FICOU PRÓXIMA, MAS FOI NO BRASIL QUE ABDOUL APRENDEU UM NOVO JEITO DE EXPRESSAR O AMOR QUE ELE SENTE PELA MÃE.
Principalmente aqui no Brasil, vocês falam pra mãe lá “ah eu te amo” Pra um africano isso aqui é muito difícil de expressar, mesmo se você cresce com sua mãe por muitos anos, por 50 anos. Africano tem isso difícil você falar para ela que você ama, que você assim… dando um beijo na sua mãe. A gente vê isso aqui no Brasil é comum, é normal. Mas eu queria passar essa experiência pra ela também, eu sempre falo pra ela, quando eu chegar na África a primeira coisa que eu vou fazer eu vou abraçar você por cinco minutos, vou beijar mesmo, eu quero que tudo mundo fica falando, porque aqui é normal. E eu acho isso aqui muito lindo demais. Eu quero também fazer isso para minha mãe, pra ela sentir realmente o quanto estou muito feliz, Tenho orgulho também de … Todos os tempo passando fora assim longe dela. Que não era por culpa dela também, mas de longe Ela também mandava energia positiva pra gente, o amor dela pra gente, queria estar com a gente, mas infelizmente não podia por conta dessa barreira. Hoje essa barreira já tá quebrada e a gente tem muito tempo para aproveitar ainda.
BOM, JÁ DEU PRA NOTAR QUE NESSES ANOS MORANDO NO BRASIL ABDOUL SOFREU MUITAS MUDANÇAS POR FORA E POR DENTRO. MAS TEVE UMA TRANSFORMAÇÃO QUE DEU A ELE UM NOVO COLORIDO: O ABDOUL DESCOBRIU A LIBERDADE EM OUTRO PONTO FUNDAMENTAL DA VIDA, UM GRANDE PRAZER QUE ERA PROIBIDO PRA ELE EM BURKINA.
Ah a dança… Gente… Não tem como explicar né, porque quando você dança sente livre, você se sente feliz, você se sente poderoso.
Na África eu sempre gostei, mas como a família não o deixava. Aqui no Brasil eu teve oportunidade de sair para dançar mesmo sem dar explicação pra ninguém, pra a família, pra minha mãe, pro meu tio, você tá indo dançar? Não.
ABDOUL DISSE QUE NÃO CONHECIA A MÚSICA BRASILEIRA.
Só uma música que a gente conhece que era o de Michel Telo quando ele canta: “Nossa, nossa, assim você me mata.” Essa música, a gente cantava na África, mas porém não sabia o significado dessas palavra, também não sabia se tava pronunciando certo ou não.
Quando cheguei aqui Brasil naquela casa de imigração, passava muito carro de som […] e fim de semana também eles fazia baile daquela rua mesmo, fechava tudo. E aí eu comecei me adaptando um pouquinho, ouvindo o forró mesmo que é típica mesmo, somente daqui do Brasil. É somente aqui no Brasil que você encontra mesmo, nasceu aqui, cresceu aqui. Comecei ouvindo, já começou ouvindo. […] Aí depois eu mudei pra samba de gafieira que é muito mais pro Rio de Janeiro. Comecei gostando muito, gostando mais e mais.
Ah gosto mais de forró, que quando toca, em qualquer lugar que você ouvir, passo mesmo se for de carro de moto, aí balançando, dançando.
HÁ 3 ANOS ABDOUL FAZ AULA DE DANÇA DE SALÃO EM SÃO PAULO
E estou muito feliz, super feliz. Eu danço todo dia, até no serviço.
Danço muito muito forró, danço sertanejo também, danço samba de gafieira e bolero também.
Helo: E porque você não podia dançar em Burkina? Era considerado pra um delinquente, um vagabundo que não tem nada a fazer, que tem tempo pra ir dançar.
MAS HOJE A DANÇA PARA ABDOUL É…
Para mim é uma diversão, é uma expressão. Você não tá feliz, você vai dançar. Se ficar feliz, aí volta a dormir, tá tudo certo, tá tudo…
AH ABDOUL! EU SEI EXATAMENTE O QUE VOCÊ SENTE. EU TAMBÉM AMO DANÇAR. AMO MEXER A MINHA RABA DO JEITO QUE EU TENHO VONTADE… COM PARCEIRO OU SEM PARCEIRO. HUM, ALIÁS, SENDO VOCÊ UM HOMEM DE RELIGIÃO MUÇULMANA NA QUAL HÁ CERTAS REGULAÇÕES SOBRE O CONTATO FÍSICO ENTRE HOMEM E MULHER QUE SÃO ESTRANHOS UM AO OUTRO, COMO FOI PRA VOCÊ ABDOUL DANÇAR ABRAÇANDO UMA MULHER DESCONHECIDA?
Era bem difícil… Mesmo foi bem difícil pra mim. Quando eu dançava com uma parceira brasileira. O Professor, foi o que ele falou, quando você não tinha mal intenção de outra coisa, não tem problema nenhum. Ela também óbvio vai entender, é a dança. Então você pode pegar mesmo e dançar.
ABDOUL E VOCÊ JÁ TEVE A EXPERIÊNCIA DE DANÇAR SENDO GUIADO POR UMA MULHER?
Ah experimentei mas não deu certo não, não deu certo. Porque é sempre o cavalheiro que manda, que manda girar, que manda pular, que manda pra trás, que manda assim… aí um dia o professor teve essa brilhante ideia de inverter, aí tá vamo ver. Aí ela pegou na minha mão empurrou, falei não sei como que se passa. Aí ela falou, então, pra você ver como que é difícil cada lado pra todo mundo [risos] Essa experiência pra mim foi muito bom de entender o lado de outra pessoa né.
ENTÃO EU POSSO DIZER QUE VOCÊ TEM SAMBA NO PÉ ?
Eu danço samba de gafieira, mas agora samba no pé ainda não chega ainda não [risos]. O que deixa com os brasileiros e as brasileiras, eu gosto de ver vocês dançando. [risos].
A DESCOBERTA DA DANÇA E DA MÚSICA BRASILEIRA TRANSFORMOU RADICALMENTE ABDOUL E AINDA AJUDOU NOS PERRENGUES DA SOLIDÃO
Aqui no Brasil não é fácil não quando você mora sozinho, quando você está longe também da família. Então a única coisa que eu realmente assim me me me apegou e que me ajudou a superar algumas faltas, a saudade da família mesmo, foi a dança, a música.
COLOCAR ÁUDIO DO ABDOUL CANTANDO: https://www.vagalume.com.br/falamansa/como-alcancar-uma-estrela.html
[transição]
MIGRAÇÃO É MOVIMENTO, É TRANSFORMAÇÃO DENTRO E FORA DA GENTE. O BRASIL E OS BRASILEIROS MUDARAM ABDOUL, MAS O ABDOUL TAMBÉM MUDOU OS BRASILEIROS
A religião mais conhecida mesmo é cristão, Muçulmano não é conhecida… tipo aquela coisa lá de homem bomba, de tipo … quando cê fala eu sou muçulmano, a primeira pergunta que eles fala é, não é homem bomba não né? Eu falo, não, não tem nada a ver não. Qual é o seu nome. Meu nome é Abdoul. Ah Abdoul é aliado aos muçulmanos, certo. Eu falei, você é aliado mas homem bomba é diferente de muçulmano né. Porque tem homem bomba que ataca muçulmano, e aí? quem é muçulmano? quem é homem bomba agora?
VOCÊ FICOU CHATEADO COM ESSE PRECONCEITO DO BRASILEIRO?
Não peguei muito mal porque percebi que eles não tinha realmente conhecimento sobre aquela religião.
ABDOUL TAMBÉM ENSINOU AOS COLEGAS QUE TRABALHAVAM NA OBRA SOBRE O RAMADÃ, QUE É A PRÁTICA DO JEJUM PELOS SEGUIDORES DA RELIGIÃO ISLÂMICA.
Porque sou muçulmano, aí os muçulmanos tem um mês de jejum , onde a gente fica de manhã cinco horas, até seis horas da noite, a gente fica sem comer e sem beber água. Engraçado que aqui no Brasil muita gente não tem esse conhecimento sobre a religião muçulmana. Na obra quando eu trabalhava eles falava, mas você vai ficar trabalhando sem comer o dia inteiro? Sim. Tudo bem, foi um dia, dois dia, três dia. Aí o chefe chamou, você vai cair aqui, você vai morrer, tem que comer. Eu falei, não, A noite eu como, Eu acordo quatro hora da manhã também e como muito, então já tudo certo. E o que que eles fizeram? A primeira semana, seis horas da tarde eles tudo ficaram claro ficaram na frente me esperando. Aí, quando eu sai do serviço, Eles me levaram pro restaurante pra ver eu comendo. Falei que era muito engraçado. Ficamos uma semana fazendo isso […]
ABDOUL É TRANSFORMADO E TAMBÉM TRANSFORMA. E ASSIM ACONTECE COM TODO O IMIGRANTE. É UMA DANÇA ONDE A GENTE DÁ DOIS PASSOS PRA LÁ E UM PRA CÁ, OU UM PASSO PRA LÁ E DOIS PRA CÁ… NA REAL ISSO NÃO IMPORTA. O QUE IMPORTA MESMO É COMO ESSAS TRANSFORMAÇÕES ENRIQUECEM OS CORAÇÕES E MENTE DE TODOS OS ENVOLVIDOS
Descobri outra paixão, fazer comida, culinário. Agora quero fazer comida. Abrir um restaurante, tudo isso. E se der mais tempo a gente volta a estudar.
Mas a primeira ideia mesmo é abrir um restaurante.
Helo: E o restaurante de comida…
Brasileira mesmo. Comida brasileira. [pausa]
ENTÃO ONDE É O FUTURO ABDOUL?
Futuro mesmo eu vejo somente aqui no Brasil .
Agora quero ir nos Estados Unidos só para visitar aí depois eu volto pra cá no Brasil [risos].
ABDOUL QUER CONTINUAR DANÇANDO, BRINCANDO COM COLEGAS, CELEBRANDO SUA RELIGIÃO E SUA ANCESTRALIDADE E SEGUIR CONSTRUINDO A VIDA NO BRASIL, PAÍS ONDE ELE APRENDEU O PARADOXO QUE VIVE TODO O IMIGRANTE: QUE É A GENTE PARTE PARA OUTRAS TERRAS, MAS A GENTE FICA… A GENTE FICA COM NOSSAS RAÍZES, NOSSAS MEMÓRIAS
HOJE O ABDOUL TEM UMA IDEIA DIFERENTE DO QUE É IMPORTANTE PRA A VIDA DELE.
Porque a gente lá na África colocava na cabeça, a vida mesmo é de você ganhar dinheiro e está tudo certo. A gente esquece que tem esse lado da experiência, Alguns experiência dinheiro não compra né.
Quem tem muito dinheiro está no condomínio, tem medo de sair, vai sair com carro fechado. E quem tá naquela favela, naquela rua pequenininha, já joga bola na rua. Então quem é mais feliz que quem? Cada um tem sua maneira.
E ABDOUL O QUE TÁ FALTANDO NA TUA VIDA AGORA ?
Eu já dei entrevista pra Fátima Bernardes, já dei entrevista pra TV Cultura.
[risos] não. Mas tá faltando conhecer esse cara, Ronaldinho Gaúcho [risos].
GENTE SE TIVER ALGUM AMIGO OU PARENTE DO RONALDINHO AQUI ESCUTANDO ESSE HUMILDE PODCAST, POR FAVOR FALA PRO CARA QUE ELE TEM QUE CONHECER O ABDOULAYE GUIBILA [ADICIONAR RISOS]
BRINCADEIRAS A PARTE, TEM ALGO MUITO IMPORTANTE QUE FALTA PARA ABDOUL. ELE PRECISA DO VISTO DE RESIDENTE PERMANENTE NO BRASIL. ELE JÁ ESTÁ NO BRASIL HÁ QUASE 7 ANOS E AINDA VIVE SOMENTE COM O VISTO PROVISÓRIO. ESSE VISTO PROVISÓRIO NÃO PERMITE QUE ELE VÁ EM BURKINA VISITAR A MÃE E VOLTE PARA O BRASIL. SE ELE SAIR ELA NÃO PODE MAIS ENTRAR. ELE JÁ FOI CONVIDADO PARA FAZER UM ESTÁGIO COM UM CHEFE DE COZINHA NO CANADÁ E NÃO PODE IR PORQUE ELE NÃO TEM O VISTO PERMANENTE. ENTÃO, POR FAVOR, VOCÊ QUE ESTÁ ESCUTANDO ESSA HISTÓRIA, AJUDA A PRESSIONAR OS ÓRGÃOS BRASILEIROS A AGILIZAREM A DOCUMENTAÇÃO DE RESIDÊNCIA PERMANENTE PARA OS IMIGRANTES.
IMIGRAÇÃO É UM DIREITO HUMANO.
OBRIGADA ABDOUL POR TER FEITO EU VOLTAR A ACREDITAR QUE O BRASIL PODE SER SIM UMA TERRA DE CULTIVAR SONHOS, APESAR DE AINDA TERMOS MUITAS COISAS PARA MELHORAR EM TERMOS DE DIREITOS DA CRIANÇA E ADOLESCENTES, DIREITOS DA MULHER, ELIMINAÇÃO DO RACISMO, RESPEITO ÀS PESSOAS DA COMUNIDADE LGBTQIA+ , E ELIMINAÇÃO DE PRECONCEITOS CONTRA MUÇULMANOS.
E quem a sabe o futuro a gente consegue fazer uma coisa muito melhor aí.
Eu que agradeço pela oportunidade sou muito grato ao Brasil pelas oportunidades mesmo. Sou muito grato também sempre eternamente pra minha mãe, pela paciência com tudo isso. Talvez mandar ela visitar o Brasil tem esse sonho também [risos]
Obrigado mesmo por essa entrevista, querer ouvir também a gente, as nossas histórias, porque é difícil se encontrar as pessoa que se interessam pela sua história, que quer saber sua trajetória, de onde você vem. E se isso pode ajudar muita gente a ter mais força, ser um exemplo pra muita gente é um grande prazer pra mim, sempre.
Helo: Eu quero ouvir a sua história. [risos] tchau…
CRÉDITOS:
ESSE EPISÓDIO FOI PRODUZIDO POR MIM HELOIZA BARBOSA E POR NATÁLIA ANDRÉ.
EU TAMBÉM ESCREVI O ROTEIRO EM COLABORAÇÃO COM AS JORNALISTAS ANAÍRA SARMENTO, NATÁLIA ANDRÉ E DA SEMPRE PARCEIRA VALQUIRIA GOUVEA.
A EDIÇÃO DE ÁUDIO FOI FEITA POR MIM, PELO PAULO PINHEIRO E DIOGO SARAIVA
AS MÚSICAS USADAS NO EPISÓDIO TEM COMPOSIÇÕES ORIGINAIS DE DIOGO SARAIVA E PAULO PINHEIRO, MUSICAS DO FREE MUSIC ARCHIVE E MÚSICAS DE DOMÍNIO PÚBLICO BRASILEIRO.
EU QUERO DEIXAR AQUI REGISTRADO O NOSSO IMENSO MUITO OBRIGADO AO GRUPO FALAMANSA DE FORRÓ QUE GENTILMENTE DEU PERMISSÃO PRA QUE A GENTE PUDESSE USAR A MÚSICA DELES NELES EPISÓDIO. FALAMANSA, VOCÊS SÃO MARAVILHOSOS!!!!
A MÚSICA TEMA DO FAXINA É DE ANAÍS AZUL.
AS ILUSTRAÇÕES SÃO DA TALENTOSA NATÁLIA GREGORINI.
SE VOCÊ PODE, POR FAVOR APOIA O FAXINA COM 10 REAIS POR MÊS. É A TUA AJUDA QUE FAZ ESSE PODCAST SER DE GRAÇA PRA QUEM QUISER ESCUTAR. É A TUA AJUDA QUE POSSIBILITA QUE ESSAS HISTÓRIAS MUDEM A VIDA DE OUTRAS PESSOAS. POR FAVOR, 10 REAIS POR MÊS FAZ UMA GIGANTE DIFERENÇA PRA GENTE. É SÓ IR NO SITE DO APOIA.SE E DAR A TUA CONTRIBUIÇÃO MENSAL
MAS O IMPORTANTE É FALAR DO FAXINA PRA AMIGOS, AMIGAS, AMIGUES, VIZINHOS E PARENTES, PORQUE DE BOCA EM BOCA A GENTE CHEGA AOS OUVIDOS DO MUNDO!
OBRIGADA POR ESCUTAR O FAXINA. ATÉ A PROXIMA. TCHAU!