
A noção de várias raças dentro da raça humana não existe na biologia. Mas essa mentira passou a ser usada para a gente se identificar. E essa mentira é tão poderosa que influenciou historicamente as nossas experiências e moldou as nossas vidas.
“Numa sociedade racista, não basta não ser racista, temos de ser anti-racista.” A frase é da filósofa e activista norte-americana Angela Davis, figura símbolo da causa negra na década de 1960 nos Estados Unidos, e tem sido amplamente divulgada por ocasião do movimento global que se gerou em torno do assassinato de George Floyd nos EUA e do massacre do governo brasileiro com a população negra e pobre do país. O termo anti-racista não é novo, mas veio à tona porque foi preciso.
Creditos:
- Entrevista e captação de áudio: Heloiza Barbosa
- Roteiro: Heloiza Barbosa e Valquiria Gouvea
- Edição de Áudio: Paulo Pinheiro e Heloiza Barbosa
- Trilha Sonora: Diogo Saraiva, Paulo Pinheiro e Blue Dot Sessions
- Musica Tema do Faxina: Anais Azul
- Mixagem: Paulo Pinheiro
- Ilustrações: Natalia Gregorini @nataliagregorini
COR DA PELE
Helo 1 Oi! Nós vamos começar esse episódio com uma lembrança que eu tenho de infância.
Seo Sonie chegou na rua onde eu morava com a mulher e duas filhas. Imediatamente ele passou a ser o Seo Sonho, porque o nome Francês ninguém conseguia pronunciar. Ele foi o primeiro imigrante que eu conheci. Eu nem sabia onde ficava a Guiana Francesa. Pros meus ouvidos de criança, ele falava um português esquisito, a risada dele a gente escutava no fundo do quintal, usava uns colares de ouro que ficavam ainda mais brilhantes quando ele tirava a camisa e mostrava sua pele negra retinta.
Uma das minhas memórias favoritas desse momento da minha infância eram as festas quando seo Sonho estava, porque a alegria era certa! Todas as mulheres queriam dançar merengue com ele, e todos os homens queriam dançar como ele. Meu pai era o melhor dançarino de bolero e seu Sonho o melhor no merengue. Que saudade de ver os dois dançando! Cada um no seu estilo…
A filha mais velha do seo Sonho estudava comigo na escola pública. Eu vou chamar ela de Rosalinda.
Rosalinda tinha a pele marrom clara da mãe e a vitalidade do pai. Ela era a mais alta de todas as meninas que eu conhecia. Mais até que os professores. A voz dela era forte e ela falava rápido mexendo os braços. Quando ela se enfurecia, geralmente com a irmã mais nova, ela tremia e preferia correr pra cima e pra baixo na rua do que dar uns tapas na irmã.
Eu gostava muito de Rosalinda!
Na escola, Rosalinda fazia conta super rápido, sabia um monte de coisas de ciências e história, e ainda por cima era boa em todos os esportes – o que naquela época para as meninas eram só volei e handball. Mas ela nunca era escolhida pra time nenhum. As meninas branquelas diziam que ela tinha piolho. Eu era que tinha piolho. Era eu a piolhenta. Mas eu nunca disse nada. Na escola diziam que ela era mentirosa e que nem sabia falar direito. E eu nunca abri a boca pra dizer que Rosalinda falava Francês, Inglês e Português. As outras falavam que o cabelo dela era de palha de aço e que a altura dela era de gorila. Eu nem achava, mas eu nunca disse nada. Eu brincava sempre com Rosalinda na rua, mas me escondia dela na escola.
Uns anos depois a família comprou uma casa em outro bairro distante e se mudou. Não lembro de me despedir de Rosalinda. Nunca mais a vi.
Mas eu tenho pensado muito na Rosalinda, porque eu tenho pensado nas ideias racista com as quais eu cresci. Tenho pensado que o ano de 2020, foi terrível. Além do covid-19, a imagem do assassinato de George Floyd pela polícia nos EUA, e a violência cometida com pobres e negros no Brasil me aterrorizam a alma. Nunca mais poderei não ver o racismo que coloca pessoas como Rosalinda dentro de um sistema de hierarquias inventado por colonizadores brancos. Nesse sistema inventado pelos brancos, a Rosalinda era vista como burra, selvagem, violenta, incapaz, de menor valor, e feia. E eu nunca disse nada.
Helo 2 Com esse podcast eu tenho mexido e remexido nas minhas memórias e histórias que foram empurradas pra debaixo do tapete. Fazer esse episódio me obrigou a examinar a mim mesma. A famosa feminista francesa, Simone de Bouvoir disse que a gente não nasce, mas se torna. Mas eu fico pensando que as características com as quais eu nasci, como o formato do meu nariz, o tamanho da minha boca, o tipo do meu cabelo e principalmente a minha cor de pele, influenciaram os tipos de oportunidades que eu tive, e no que eu consegui me tornar .
No episódio de hoje, eu vou te contar as histórias de três mulheres que crescendo no Brasil não imaginavam que um dia seriam acadêmicas, pesquisadoras, advogadas e ativistas nos EUA, mas tornaram-se tudo isso e muito mais. Os caminhos desse tornar-se foram tortuosos e por vezes mais difíceis dependendo da cor da pele de cada uma. O episódio “Cor da Pele” está começando.
Helo 3
Nesse episódio, eu vou te contar um pouco da história de Natalícia Tracy, Rita Mendes e Stephanie Martins, três brasileiras que estão deixando seus nomes na história dos EU.
[sons de tv entrevistando… elas]
Helo 3.a Começando com Natalicia Tracy.
Natalícia é doutora em sociologia pela Universidade de Boston. Ela é professora dos cursos de Sociologia, Relações Trabalhistas, e Serviço Social da Universidade de Massachusetts em Boston. Ela escreve e ministra disciplinas sobre raça, poder, imigração e tráfico humano. E há 10 anos Diretora Executiva do Centro do Trabalhador Brasileiro. Co-fundou a Associação de Trabalhadoras Domésticas e, em 2014, foi fundamental para a aprovação da Lei de Proteção aos direitos das trabalhadoras domésticas no Estado de Massachusetts e no ano seguinte em outro estado americano. Ganhou vários prêmios internacionais pelo trabalho que desenvolveu. E ela está entre as 25 mais influentes líderes do movimento trabalhista nos EUA.
Natalicia 1- Meu nome é Natalicia Tracy. Eu tenho 49 anos de idade. Eu sempre me apresento como Brazilian, Afro-Brazilian. Eu sou essa pessoa, imigrante, negra, mulher.
Helo 3.b- Ela já está nos EUA há 31 anos, e da sua vida no Brasil ela tem lembranças aromáticas.
[00:02:19-00:03:05] Natalicia : Eu lembro… a gente brincando no quintal….. [00:01:57] Sempre lembro sempre me lembro acordando de manhã com bastante barulho de animais…….. Eu lembro especialmente, que eu saía no quintal e olhava para o fundo do quintal. Era época que cafezal estava em flores, então era muito lindo! As abelhinhas, tudo branquinho, tudo flores. Aquele cheiro da flor do cafezal…… [00:02:06] O café super cheiroso, aquele café caseiro né….. [00:03:05-00:03:38] : eu tenho memórias de vê o pé de manga super cheio de manga com muitas mangas no chão. O pé de jabuticaba coberto de jabuticaba, todo molhadinho… Eu tenho um pouco dessas memórias lá, lá de casa.
Helo 4 – Essa casa que ficou lá longe na memória, abrigava uma família de 10 filhos. A mãe de Natalícia é branca e vem de uma família portuguesa, também numerosa e muito pobre. O pai é negro e vem de uma família de muitos recursos. Natalícia cresceu numa região no interior do sudeste Brasileiro. Ela e os irmãos estudavam na escola local e ela lembra que nada faltava na vida dela. Mas uma certa expectativa ligada ao fato de ela ser mulher negra já a rondava.
[00:03:40] Natalicia – Mas eu também tenho a memória de que muito cedo eu comecei a cuidar da filha da vizinha. Então essa vida de doméstica eu penso nossa, comecei bem cedo porque eu chegava na escola no fim da tarde e a vizinha me pagava para mim ficar com a menina dela ou me pagava pra lavar uma louça.
Helo 5- A escola local não oferecia ensino médio e Natalícia queria estudar. Uma irmã de Natalícia já era casada e morava na cidade de São Paulo. Ela convenceu o pai a deixar que ela mudasse pra cidade. Logo ela conseguiu um emprego de babá cuidando do filho de um casal de médicos muito ricos.
[00:04:41-00:05:04] Natalicia : O trabalho que eu consegui de babá eu podia estudar das 7 às 11 da noite, o terceiro período, e era muito perigoso em São Paulo. Imagina né, como que eu vou estudar? Como que eu vou fazer? E eles já falaram, ah não a gente tá com planos de ir para os Estados Unidos e nos Estados Unidos você vai ter oportunidade de estudar. Aí eu, opa okay.
[00:06:07-00:06:27] Natalicia : Você vai fazer parte da família, que você vai poder aprender uma língua nova, cultura nova, vamos passear. E você também vai poder estudar. Esse foi o convite. Aí depois de dois anos a gente retorna né, com essa experiência de vida.
Helo 6- A família de Natalícia e amigos achavam que ela tinha ganhado na loteria, era uma oportunidade de ouro ir para os EU! Aí, em 1990, com 19 anos, Natalícia chegou em Boston junto com seus patrões.
[00:06:32-00:06:44] Natalicia : O tempo que eu fiquei com eles e eu acabei ficando muito…. ah Muito presa né. Porque essa realidade né, a dos Estados Unidos que a gente não conhece.
Helo 7 – A realidade que Natalícia não conhecia era de um apartamento de 2 quartos, e a patroa foi logo dizendo que ela não podia dormir com a criança. Ela tinha que dormir em um colchão fino colocado no chão, numa espécie de área de serviço, sem aquecimento. Em Boston no inverno chega a fazer 15 graus negativos. Os patrões não compraram roupas de frio pra ela. Os patrões prenderam o passaporte dela. Ela nunca foi matriculada numa escola para aprender Inglês. Os patrões comiam em restaurantes, e na casa não havia comida suficiente pra Natalícia. Ela não podia usar o telefone. Ela não se comunicava com ninguém. Nem mesmo cartas ela recebia pelo correio porque os patrões se recusaram a colocar o nome dela na caixa do correio — aqui nos EU se você não tem o nome na caixa do correio o carteiro não entrega correspondências. Além de tudo isso, a patroa teve uma outra criança e Natalícia passou a cuidar de 2 crianças, trabalhar sete dias por semana, da hora que acordava até a hora que dormia.
[00:07:58-00:08:02] Natalicia : O salário era de 25 dólares por semana eu tava… trabalhava 90 horas por semana… [00:07:19-00:07:29] eu era uma pessoa completamente invisível e que estava ali só para fazer o trabalho deles e eles não sentiam que nenhuma responsabilidade comigo…. [00:07:48-00:08:02] Agora eu entendo muito bem que as condições que eu estava vivendo eram condições de trabalho escravo, na época eu não entendia isso.
Helo 8- Natalícia pediu que os patrões devolvessem o passaporte dela e comprassem sua passagem de volta, porque ela queria retornar ao Brasil. Mas os patrões médicos acadêmicos, disseram que se ela quisesse sair ela poderia ir embora, mas eles não dariam a ela um centavo sequer.
[00:10:13-00:10:35] Natalicia : É uma situação onde você se sente surda, muda. Você não fala, você não ouve, não entende, você não sabe lê, né. Então é uma situação muito difícil. Eu passei momentos muitos difíceis lá sentindo que eu não tinha opção de vida, de sair. Eu tava sem saída. … [00:10:57-00:11:05] eu não tinha pra onde ir, eu não tinha para onde correr. Eu não conhecia ninguém, eu não tinha dinheiro…. [00:10:37-00:10:51] Tive muitos momentos assim … De eu saí assim de casa chorando na rua e tipo desejar que um carro viesse e me matasse.
[pausa de 6 segs com um atmosfera musical grave]
Helo 9 – Os patrões brancos tiveram tempo para investir nas suas carreiras profissionais às custas da exploração do trabalho doméstico de Natalícia. A tristeza é que essa história de 31 anos atrás ainda acontece no Brasil de hoje.
[ audio do JN sobre caso parecido ]
Natalícia também conhecia de perto a magreza de oportunidades pra gente de sua cor de pele no Brasil, e daí ela tomou uma decisão.
[00:08:58-00:09:20] Natalicia : Eu já tinha decidido que eu não voltaria para o Brasil sem estudar, porque eu sabia que o Brasil não ia me dar a oportunidade de estudar. Isso já tinha sido provado que eu não tinha oportunidade no Brasil. Então eu pensei isso, eu vou estudar e aí eu vou embora. Mas sem estudar, eu não vou embora! Eu coloquei na minha cabeça que eu não retornaria de forma alguma sem estudar.
Helo 10 – Natalicia começou a aprender inglês lendo o jornal. Descobriu a seção de classificados de emprego pra living in Nannies, que traduzindo são babás que dormem no emprego. Ela começou a anotar os números de telefones dos anúncios.
[00:12:12-00:12:49] Natalicia : quando eu comecei a fazer essas ligações eu sim: meu nome, eu sou uma excelente nanny, tô procurando emprego, mas eu preciso de casa e comida e tempo para estudar. Ah! Outra coisa, eu sou negra, e falei, falo muito pouco de inglês, mas eu vou dar muito amor para sua criança. Decorei esse textozinho. Aí na terceira ligação que eu fiz uma família atendeu e falou que queria me conhecer. Aí eu falei assim, mas eu quero estudar, vou ter tempo de estudar?
Helo 11- Natalicia passou a ter um quarto espaçoso para si dentro da casa da nova família. Começou a receber um salário compatível, tinha horário de trabalho definido, e também horas de descanso. Ela se matriculou numa escola. Aprendeu Inglês rapidamente. Mesmo como imigrante sem documentos, ela estudou. Fez cursos de tudo quanto é coisa, como por exemplo de confeitaria, ela sabe fazer requintados bolos de noivas. E ingressou na faculdade para fazer um curso profissionalizante. Escolheu ciências da computação.
[00:14:36-00:14:56] Natalicia : porque eu queria uma profissão que não requer falar ao público, porque eu também imaginava que eu nunca ia conseguir dominar o inglês, uma frustração com a língua, nunca, vou ter vergonha de falar, vou ter accent, eu vou. Eu queria uma profissão que ia pagar bem, uma profissão que é ser fácil de levar para o Brasil
Helo 12- Mas ela acabou casando com um homem de descendência Irlandesa e Polonesa e os planos mudaram.
[00:03:30-00:03:42] Natalicia 2 : O meu marido ele era obcecado com minha cor. Então eu não sei se é ruim ou se é bom, mas ele sempre achava que era a coisa mais linda do mundo.
Helo 13 – Aí ela foi morar em um subúrbio americano só de brancos irlandeses. E teve que aguentar o racismo de seus vizinhos.
[00:15:42-00:15:47] Natalicia 1 : A vizinhança só brancos, os vizinhos me odiavam, os vizinhos não falava comigo de jeito nenhum. [00:15:53-00:15:56] Natalicia : E eu acho que eles se sentiu uma invasão, uma imigrante de cor na rua deles.
Helo 14 – Depois ela engravidou e decidiu ficar em casa cuidando do filho recém nascido…
Mas, depois de 3 anos, ela sentiu que precisava voltar a usar seu cérebro. Natalicia então entra no mestrado de Sociologia Aplicada. Passa a trabalhar como pesquisadora. Trabalhou em um projeto de pesquisa na Brown University, que investigava o desenvolvimento de alunos brasileiros nas escolas americanas. Aí ela começou a entrar em contato com a comunidade Brasileira, a qual ela passou todo esse tempo distante. Quando iniciou o doutorado na Universidade de Boston, ela também passa a fazer trabalho voluntário para o Centro do Trabalhador Brasileiro e lá um fenômeno começa a acontecer.
[00:06:34-00:07:01] Natalicia 2: E a minha caixinha tava fechada né, a minha caixinha de todas as coisas que eu passei no começo tava fechada. Eu fechei, tranquei, pus no fundo do… Sei lá…. Eu acho que eu comecei a ver pessoas com problemas parecidos com situações que eu tinha passado e aí a minha caixinha abriu entendeu?
[00:07:04-00:07:19] Natalicia 2 : Como que isso é possível? Isso aconteceu comigo há muito tempo atrás. Como que isso é possível? e comecei a ouvir todos esses casos. Todas essas histórias.
Helo 15 – Histórias de trabalho escravo como a dela. Histórias de brasileiros que exploram outros brasileiros em situação vulnerável. Histórias de racismo entre os brasileiros.
[00:17:15-00:17:34] Natalicia : Às vezes é bom a gente falar um pouco porque às vezes a gente guarda muito tudo numa caixinha né. [00:17:38-00:18:04] Não é uma coisa que só acontece comigo. Eu sei que acontece com muitas pessoas que as pessoas têm muita vergonha às vezes de falar coisas que passaram porque se sente que foi a culpa delas e entender que muitas vezes não é nossa culpa. Nós não temos recursos, nós não temos informações, nós somos naquele momento, por mais forte que somos, nós somos vítima da situação.
Helo 16 – Quando Natalícia começou a atuar diretamente ajudando trabalhadoras domésticas e mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica, ela recebeu ameaças de morte.
[00:00:46] Natalicia – Eu vou pagar alguém para matar os seus pais, a sua família… eu preocupo com a segurança da minha família eu não tenho medo por mim eu tenho medo de alguém sofrer consequências.
Helo 17 – Mas Natalícia não se intimidou. Há 10 anos ela é Diretora Executiva do Centro do Trabalhador Brasileiro, é professora universitária, é pesquisadora e viaja o mundo proferindo palestras e dando aulas. Seu trabalho em defesa dos direitos das trabalhadoras domésticas imigrantes é premiado internacionalmente. Que vitória!
Helo 17a. Fico pensando se Rosalinda, a menina inteligente e vibrante que brincava comigo na minha infância, conseguiu ir pra universidade, se conseguiu se formar na profissão que escolheu, se conseguiu ter um emprego com férias remuneradas, licença maternidade, e aposentadoria.
É doloroso pensar que foi mais fácil pra mim conseguir tudo isso porque eu nasci com a pele considerada aceitável pelo padrão branco racista, e Rosalinda não.
A gente vai fazer um intervalo e já já voltamos ouvindo a história da Rita Mendes.
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Helo 18 – Oi! Estou de volta.
E agora a gente vai ouvir a história da Rita Mendes.
[ audio da rita ]
Em 2019 Rita Mendes foi a primeira brasileira eleita vereadora pela cidade de Brockton, a qual é uma cidade ao sudeste de Boston. Foi Uma vitória histórica! Quando eu ouvi a notícia, fiquei curiosa pra conhecer a Rita e saber como foi a trajetória dela até aqui. A Rita é super ocupada, mas carinhosamente topou conversar comigo.
[00:00:44-00:00:58] Rita: Então assim enfim eu tô apaixonada com os episódios de vocês …e eu tô nervosa agora para fazer o meu. Eu me emocionei tanto com os dos outros. ah meu Deus!
Helo 18 a – Rita, Não precisa ficar nervosa. A gente pode começar com você contando onde nasceu e com quantos anos você chegou aqui nos Estados Unidos
[00:01:40-00:01:42] Rita 1: Nasci em Conselheiro Pena, Minas Gerais.
[00:01:15-00:01:23] Rita: Quando a minha mãe saiu do Brasil eu tinha quatro. E aí eu fui encontrar com ela de novo quando eu cheguei aqui com 12 anos.
Helo 19 – Rita disse que ela ficou Oito anos sem ver a mãe. E o pai não fazia parte da vida dela
[00:05:27-00:05:30] Rita: Eu tinha um pai, mas eu preferia até que ele não viesse me vê porque … [00:05:39-00:05:41] sempre chegava bêbado e eu nem gostava, eu nem reconhecia às vezes quando ele chegava.
Helo 19.a- Oito anos também sem ter uma casa.
[00:02:06-00:02:16] Rita: Eu não tinha muito um lugar certo de morar, porque como a minha mãe estava aqui nos Estados Unidos, no início eu morava com a minha avó. Depois a minha avó ficou muito idosa, aí eu comecei a morar com uma tia.
[00:02:18-00:02:22] Rita1: A minha mãe, ela tinha nove irmãos, então eu tinha muitas casas para ficar pulando de casa em casa. [00:02:27-00:03:03] Rita: Eu num dava trabalho, mas eu tinha mais dois irmãos mais velho que ja era mais bagunceiro, ai aquela tia cansava e já passava pra outra. Então eu ficava meio assim de casa em casa, não tinha um lugar que eu podia falar assim, ah é a minha casa, minha moradia. Então por isso que o Brasil para mim eu não tenho essas raizes, essas memórias muito boa porque vivia uma vida mais transitada,
Helo 20 – Com quatro anos Rita não sabia o que tinha acontecido, só sabia que sua mãe tinha ido pra um lugar de onde ela lhe enviava roupas e presentes. Então na cabeça de Rita os EU era um lugar especial.
[00:04:13-00:04:31] Rita: Eu queria muito vir para cá. Meu sonho desde pequenininha era vir para este lugar. Eu sonhava, nem sabia que lugar que era, mas para mim era um lugar muito bom porque tinha levado a minha mãe e eu tinha muitas coisas boas daqui.
Helo 21 –Pra acalentar o coração cheio de saudades da mãe, Rita se agarrava em uma memória muito preciosa
[00:07:37-00:08:00] Rita: Tem uma história, que era a única história que eu lembro que a minha mãe lia esse livro todos os dias para mim. Então você pode imaginar que eu era bem pequenininha. Mas eu lembro que era do menino que ele não queria eh tomar banho, aí chegou um dia que as roupa dele ficou tão assim nervoso com ele porque ele não queria tomar banho, e que saiu correndo e falou assim: eu vou te largar você aqui porque está muito sujo e não quer tomar banho [risos]
[00:08:31-00:08:39] Rita: É foi mas porque era a única realmente coisa que eu tinha no momento. Nada de especial no livro, era só mesmo naquele momento que eu tinha.
[pausa de 3 segundos]
[00:08:51-00:09:08] Rita: Eu sempre pensava nela todos os dias, todos os momentos.
[pausa 3 segs]
Helo 22 –Sem pai, pulando de casa em casa, e tendo como o único fio de conexão com a mãe uma história de um menino que é ameaçado de ser largado por suas roupas, Rita fez o que muitas crianças fazem, se recolheu
[00:12:04-00:12:12] Rita: pensa numa pessoa tímida, quietinha, introvertida, que não abre a boca para poder falar absolutamente nada. Um bicho do mato mesmo de verdade… [00:12:17-00:12:24] Rita: na hora do recreio do lanche eu ficava quietinha, sozinha. Eu comia ali meu lanche, minha merenda sozinha. [00:12:31-00:13:04] Rita: no recreio que era pra poder de alguma brincadeira…Eu nunca era escolhida. Eu era a sempre que ficava largada. Aí o professor tinha que meio que me colocar em algum grupo, porque ninguém me escolhia. Eu tinha até musiquinha que eles contavam para mim me zoando mais essa parte não sei se eu vou contar. [pausa 2segs]
Eu ainda com essa vozinha minha chata, eles implicava comigo com tudo. Então assim não tinha muito
[00:13:05-00:13:11] Rita: Ai acho que era eu que era o problema, tinha nada de bom que eu gostava lá. O problema tinha que tá comigo mesmo… Mas tá tudo bem.
[00:13:19-00:13:23] Hoje eles se caracterizam como Bullying.
[00:13:44-00:13:48] Rita: Por isso que até hoje eu nem gosto de ir no Brasil.
Helo 23 –Mesmo com todas as agressões psicológicas que sofreu e de sua enorme solidão, Rita não perdia a esperança
[00:09:19-00:09:30] Rita: Mas eu sabia que um dia eu ia vê-la, mas eu não sabia quando e como e em que a circunstância. Mas eu tinha essa esperança que ia chegar a hora da gente poder ser unir de novo.
Helo 24 –E a hora chegou. Quando Rita tinha 12 anos ela desembarcou em Boston, no ano de 1998. Ela estava radiante por estar junto da mãe novamente e feliz por começar em uma nova escola americana. Mas sua alegria levou um tombo.
[00:19:14-00:19:41] Rita: Se eu pensava que eu sofria bullying no Brasil, que eu era pelo menos parecida com as outras crianças, fui para uma escola que as meninas eram todas loirinhas, toda branquinha. Eu não entendia nada que elas falavam. Aquela roupa tudo de patricinha. Eu realmente sentia um pintinho fora d’água… eu não sei nem o que. Realmente ali… Se eu já era caladinha no Brasil, aqui então eu fiquei muda.
Helo 25 –Mas a mudez de Rita durou pouco. Ela logo aprendeu inglês. Virou tradutora na escola para as novas crianças que estavam chegando do Brasil. E esse papel de tradutora lhe deu confiança, aumentou sua auto-estima, e até o jeito como ela ouvia o próprio nome mudou
[00:15:01-00:15:02] Rita: eu não aguentava escutar meu nome em português. [00:15:16-00:15:34] Rita: Aí chegou aqui eles falavam “Rira Rira Rira” nossa! Que nome bonito! Quem que será essa? Fui descobrir que estavam me chamando. Uau eu to arrasando eu tenho esse nome lindo! Passei amar meu nome. Que nome chique, esse nome. Ah meu Deus.
Helo 26 –Mãe solteira e imigrante sem documentos, a mãe de Rita trabalhava sem parar.
[00:21:50-00:22:12] Rita: Ela trabalhava em restaurante. Ela também limpava escritórios e também ela limpava uma loja de brinquedos à noite. Aí eu ia com ela para poder brincar nessa loja de brinquedos, porque eu pegava e tinha aquela piscina de bolas eu ficava lá brincando até tarde nessa loja. Amava…. [00:22:53-00:22:59] Rita: Era a minha diversão, meu parquinho de diversão. Eu tinha a loja toda só para mim brincar.
Helo 27 –Rita que nunca tinha saído de sua cidade de Conselheiro Pena, chega nos EU e encontra um mundo de gente que fala línguas diferentes, que comem comidas diferentes, e gente de diferentes cores de pele.
[00:02:39-00:02:52] Rita: Aqui quando eu cheguei, aí que realmente que eu me dei conta que realmente eu era negra.
Helo 27.a Porque na escola suas colegas eram
[00:02:47-00:02:52] Rita: Era todas branquinha dos olhos verde, azul. Cabelo lisinho, loirinho.
Helo 28 –Daí Rita para se sentir aceita pelo padrão branco passou a ter uma obsessão
[00:01:50-00:01:54] Rita: Eu queria o cabelo grande, liso, e bonito.
[00:02:53-00:03:07] Rita: minha mãe trabalhava dois três serviços, mas eu fiz ela me levar num cabeleireiro porque eu tinha …que eu precisava de alisar o meu cabelo. Era o meu sonho. Quase morri no salão o dia inteiro pra conseguir deixar o cabelo liso.
Helo 29 –Algum tempo depois, Rita muda de cidade e escola. Ela vai fazer o ensino médio em Brockton, uma cidade onde vivem muitos imigrantes do Cabo-Verde, Haiti e Angola. Em Brockton ela passa a perceber sua própria identidade como mulher imigrante e negra de outro jeito. Sendo uma cidade de maioria negra, lá ela não precisava camuflar quem ela era para ter acesso. Lá, ela começa a perceber que tinha racismo no que ela ouviu desde criança sobre o seu cabelo quando comparado com outras pessoas da família.
[00:02:20-00:02:36] Rita: É igual minha família tinha cabelo bom, ou seja então o meu é ruim. Então eu sem saber e sem sentir, sem realmente perceber as coisas, eu tinha um certo desconforto comigo. Acho que já estava dentro de mim a gente não percebe.
Helo 30 –Natalícia Tracy, que vocês ouviram logo no início desse episódio, diz que muitos brasileiros importam consigo o racismo entranhado na cultura brasileira.
[00:02:20] Natalicia 2- Isso é racismo, faz parte do racismo estrutural de criar uma ideologia do que é bonito do que é certo do que é correto do que é normal.
[00:00:57] Natalicia 2- … Eu estou escrevendo sobre esse racismo né importado. “Segregation” mesmo no Brasil é de classe que é conectada com cor, no Brasil no mundo todo.
Helo 31 – Natalícia tem a cor da pele mais escura que Rita. Na família de Natalicia, ela também ouviu comentários sobre seus cabelos
[00:02:50] Natalicia O cabelo da Natalícia é português é cabelo de branco. Natalícia tem cabelo, tem cabelo cabelo macio, cabelo isso, o cabelo dela cresce.
Helo 32 –Rita então mudou o modo de ver a si mesma.
[00:04:23-00:04:42] Rita 2: Então hoje eu me aceito, que eu sou feliz, e acho o meu cabelo lindo e maravilhoso. Nem se quiser alisar o meu cabelo para a mim, de graça, eu não vou querer. Porque o meu cabelo é um espetáculo. [risos]. Então é eu e a minha jornada como meu próprio cabelo. Graças a Deus nós estamos já nos encontrando. [risos]
Helo 33 – Não foi somente a aceitação de seu cabelo que mudou em Rita. Quando ela tinha 17 anos, a mãe dela resolveu voltar para o Brasil. Rita não queria voltar nem para as memórias doloridas do passado, e nem para uma cidade com falta de oportunidades. Então ela fica. E mesmo sendo de menor ela se vira para sobreviver. Trabalha numa rede de café até tarde da noite, e ainda fazia outros bicos. Chegava na escola de manhã tão cansada que dormia nas aulas. Uma professora de Espanhol percebeu seu cansaço. Deixava ela dormir e começou a ajudá-la a se inscrever para ingressar na universidade. Essa professora ajudou Rita a conseguir bolsas de estudo. Rita fez faculdade profissionalizante. Com 19 anos tornou-se corretora de imóveis e também casou. Seu marido conseguiu o green-card. Rita passou a ter documentos. Em 2006 ela se forma e o seu filho nasce.
Rita virou uma corretora famosa. Tinha carro, comprou casa própria. A vida de Rita parecia um sonho de prosperidade que nada poderia abalar.
Até que em 2008 a crise imobiliária fez despencar a economia americana.
Rita perdeu tudo. O banco lhe tomou a casa. O marido a largou. E ela não tinha 5 dólares para a gasolina do carro. E agora ela era mãe solteira, (assim como sua mãe tinha sido.)
[pausa 4 segs]
Helo 34 – A mãe de Rita estava de volta aos EU e a ajudou como pode. Rita recomeçou. Voltou a trabalhar no Café e decidiu que queria estudar direito, mas ela precisava completar o Bacharelado. Ela entrou na universidade e cursou Ciência Políticas. A economia melhorou. Rita voltou a vender casas. Depois conseguiu entrar no curso de Direito e em 2017 se formou advogada.
[00:10:32-00:10:54] Rita 2: virei noites sem dormir, chorava, desesperava. Essas provas, que eram provão só durante o semestre, que eu achava que não ia passar, e aquele desespero pensava que dava um bloqueio na mente. Mas enfim, eu eu… Alguma coisa dentro de mim me levava, que eu acreditava que eu ia consegui. E graças a Deus, eu fui, consegui, e então me especializei na área de imigração.
Helo 35 – Rita que mora e tem seu escritório imobiliário e de advocacia na cidade de Brockton – a mesma cidade onde ela estudou o ensino médio. Rita percebeu que na cidade onde a maioria da população é negra e de pele mais escura que a dela, havia pouca representação de pessoas de cor na administração da cidade. A menina tímida, quieta e sem voz do passado, deu lugar a uma mulher que foi de porta em porta pedindo votos para sua candidatura como vereadora da cidade. E ela te fala porque ela se candidatou ao cargo
[00:04:55-00:05:50] Rita 2: Se eu tiver dirigindo num carro e eu talvez passar num sinal amarelo, talvez por minha cor ser um pouco mais clarinha, talvez não daria tanta coisa. Mas se já é mais escurinho, talvez aquele ali a polícia já vai querer parar, já vai querer investigar mais e questionar mais. O que nós estamos ali pra realmente mudar esse conceito de do racismo, pra poder falar assim um basta. Um basta. Já deu. Nós aguentamos muito, não vamos nos calar mais……. Vamos estar aqui lutando por nossos direitos..…..Nós queremos as mesmas oportunidades de trabalho. Oportunidades executivas. Porque que o preto ele tem que ficar ali só… Talvez numa posição, que não é uma posição cargo chefe. Então queremos ver pessoas da minoria, pessoas que falam outras línguas poder tá realmente fazendo a diferença, e poder estar também ocupando esses cargos de autoridade na cidade.
Helo 36 – O que Rita denuncia é chamado colorismo, que é um braço do racismo. Colorismo é um sistema de discriminação baseado nos tons de pele. Quanto mais escura a pele, mais discriminação a pessoa sofre.
Em janeiro de 2020 Rita Mendes tomou posse. A voz e a força de Rita Mendes serão importantes elementos no combate ao racismo nos EU.
[00:04:43-00:04:55] Rita 2 : Eu fui a primeira brasileira eleita como vereadora da minha cidade. Tô fazendo a minha história que vai ficar no livro de história dessa cidade, desse país.
[pausa 4 segs – transição]
Helo 37 – Depois da eleição de Trump em 2016, houve um movimento forte de mulheres concorrendo aos cargos públicos nos EU. Mulheres que estão trazendo para os debates políticos e de reformas as vozes por muito tempo ignoradas nesse país. Além de Natalícia Tracy e Rita Mendes, uma outra brasileira que está escrevendo seu nome na história dos EUA é Stephanie Martins.
[ colocar uns poucos segundos de um trecho de entrevista com Stephanie na TV]
Stephanie é a primeira vereadora latina eleita na cidade de Everett. Ela é graduada em Ciência Políticas pela universidade de Harvard, fez mestrado em Gênero, Liderança e Políticas Públicas pela Universidade de Massachusetts em Boston.
Assim como Rita, a trajetória de Stephanie começa com uns dos pais deixando a família no Brasil e migrando em busca de oportunidades.
[00:00:16-00:00:26] Stephanie: Então meu pai veio quando eu tinha três meses, eu não vi ele até ter seis anos de idade, depois eu não vi ele de novo até eu ter 12 que foi quando ele conseguiu nosso documento.
Helo 38 – Stephanie nasceu e cresceu em Belo Horizonte. O pai e a mãe dela se divorciaram quando ela era bebe. Stephanie então foi morar com os avós paternos, e o seu pai foi buscar sustento nos EU. O pai de Stephanie trabalhou em restaurantes como imigrante não documentado por muitos anos. Até que em 2002, ele conseguiu o green-card através do emprego dele. Em 2004, Stephanie com 16 anos chegou nos EUA, já com documentos, o que significa que ela podia trabalhar e estudar nos EU sem os obstáculos e medos que marcaram a vida de seu pai e outros imigrantes.
[00:00:57-00:01:03] Stephanie: Eu comecei a morar sozinha aos 17 anos quando o meu pai mudou para outro estado eu resolvi ficar.
Helo 39 – Stephanie teve que se virar
[00:01:09-00:01:14] Eu tinha que trabalhar em três trabalhos pra pagar o meu aluguel, meu carro, meu seguro, e tudo é mais caro quando você é mais nova.
Helo 40- Stephanie tem cabelos pretos compridos e ondulados, sobrancelhas bem delineadas, um sorriso largo e a pele branca. Quando Stephanie chegou nos EU ela foi morar em Framingham, uma cidade ao oeste de Boston onde há a maior concentração de brasileiros residindo. É um Brasil fora do Brasil.
[00:10:58-00:11:08] Stephanie: Muitos brasileiros que vêm para cá e continuam morando no Brasil enquanto aqui. Eles só vão em lojas brasileiras, só vão em lugares e falam português, só assiste televisão em português. [00:09:46-00:09:55] Mas eu procurei ter uma trajetória mais dentro da América mesmo, porque eu sempre trabalhei em lugares americanos. [00:10:06-00:10:12] Então por exemplo, eu trabalhei em banco, eu trabalhei em cinema, eu trabalhei em loja de roupa, trabalhei em restaurantes, trabalhei com um advogado.
[00:11:11-00:11:25] S: Sempre tive aquele, aquele olhar de surpresa às vezes em locais mais prestigiados aonde eles não viam pessoas como eu, que… a não ser que eram as as pessoas da faxina, né.
Helo 41- Trabalhar em três empregos para se sustentar e ainda estudar não é fácil pra ninguém e não foi fácil para Stephanie.
Mas, eu fico pensando no que a escritora brasileira Lélia Gonzalez disse sobre a invisibilidade da mulher negra. Lelia observou que os lugares de trabalho oferecido às mulheres negras eram bem longe dos olhos do público: nas cozinhas das casas, nas cantinas e banheiros das escolas, nas posições mais invisíveis dentro das fábricas. E ela, a mulher negra, ainda tinha que passar no teste da “boa aparência” – alisando os cabelos e ficando mais próxima aos padrões do racismo da branquitude. Dentro da estrutura racista da sociedade americana, é possível imaginar que Stephanie sendo mulher latina de pele branca, talvez tenha tido melhores condições de emprego em empresas americanas que Natalícia Tracy e Rita Mendes.
Assim como eu tive privilégios que Rosalinda, a minha vizinha na infância, não teve.
Mas mesmo com privilégio que a cor de sua pele lhe garante na sociedade racista, Stephanie sendo mulher latina teve grandes barreiras nos EU. Quando conseguiu entrar na universidade, com mais idade que os jovens americanos de nascimento, Stephanie levou 8 anos para concluir o curso.
[00:14:08-00:14:13] Stephanie: Eu consegui finalmente formar na faculdade quando eu tinha só um emprego que conseguia me manter, [00:14:43-00:15:18]: Enquanto eu tava lutando para respirar e pagar a conta de amanhã, eu não sabia quando que era eleição, quem tava com problema. Você tá tentando se salvar. E essas são as pessoas as quais eu tento chegar a elas hoje, porque elas estão tão preocupadas tentando viver e pagar a conta de cada dia, que tá acontecendo todo um processo político que afeta a vida dela ao redor dela, mas as pessoas com problemas financeiros não tem tempo nem cabeça pra se conscientizar dessas coisas. E eu era essa pessoa por muitos anos tentando sobreviver.
Helo 42- Inicialmente Stephanie foi para uma faculdade de cursos profissionalizantes. Lá uma professora disse que se ela cuprisse um determinado número de créditos ela poderia transferir para a escola de extensão de Harvard, e assim ela fez. A experiência na universidade de Harvard mudou sua vida.
[00:18:22-00:18:33] Stephanie: Meio radicalizante. Bem assim abre portas e te dá um acesso a um outro mundo que realmente você sai de lá e não vendo as coisas da mesma maneira.
Helo 43- na universidade de Harvard Stephanie organizou eventos, foi embaixadora da organização dos estudantes latinos e começou a fazer um trabalho de conscientização do imigrante de seus direitos. Ela fez um curso de mulheres na política no qual ela era a única mulher latina por lá. No final do curso ela se lançou candidata a vereadora em 2017 pela cidade de Everett.
[00:02:11-00:02:27] Stephanie: Everett é uma cidade de 60 mil pessoas aproximadamente. Eu acho que é a segunda ou primeira em número de brasileiros. Uma cidade que pessoas de cor agora já são a maioria da cidade, que não tem apresentação. E falta essa visão de como levar a cidade para essas outras pessoas.
Helo 44- Stephanie perdeu nas urnas
[00:03:47-00:03:53] Stephanie: Pessoas assim vandalizando as minhas placas. Escrevendo mentiras no jornal. [00:03:34-00:03:45] E muitos medos que eles tinham: Ah ela tá vindo para mudar o nome das ruas. Ela tá vindo para fazer a nossa cidade ser cidade santuário. Ela só vai representar o povo dela.
[00:21:30-00:21:39] Stephanie: Tem as pessoas que olha pro vizinho brasileiro com um carro melhor e faz comentários. Tem pessoas que acham que o problema deles é por causa do crescimento do imigrante.
[00:03:52-00:04:03] E o segredo era sempre levantar no dia seguinte e continuar aparecendo de novo. Então, toda vez que eles acharam que eu ia finalmente sumir, eu aparecia novamente.
Helo 45- Em 2019 Stephanie se lançou candidata novamente.
[00:03:18-00:03:34] Stephanie: Foi um trabalho de ganhar o coração e a confiança dos eleitores da cidade que, embora haja bastante brasileiro, Latino e imigrantes que possam votar, quem tem votado realmente, ativamente, é ainda a população mais velha americana.
[00:20:45-00:20:50] Stephanie: Então, eu fui bem discreta sobre o que eu queria fazer e me concentrei mais em me apresentar como pessoa….. [00:21:03-00:21:14] E foi bom porque mesmo as pessoas que não gostam de imigrante, falou assim: oh eu não gosto de migrante, mas essa qui tem cachorro; eu gosto de cachorro. Ah a mãe dela morreu, a minha mãe morreu também, eu me identifico.
Helo 46- a estratégia de stephanie deu certo. Dessa vez Ela ganhou as eleições.
[00:24:26-00:24:30] Stephanie: sou vereadora na cidade de Everett. Primeira brasileira, primeira latina.
[pausa 4-6 segs transição]
Helo 47- É uma honra tão grande estar viva no mesmo mundo em que vivem Natalicia Tracy, Rita Mendes e Stephanie Martins, três brasileiras fazendo história nos EU e adicionando suas forças e vozes para lutar contra a opressão, discriminação e o racismo.
Helo 48- Pra terminar, eu quero confessar que eu acreditei em mentiras. Por muito tempo eu acreditei na ideia de que não havia racismo no Brasil, porque eu acreditei que todo mundo era misturado. O problema, eu achava, era quem tinha grana e quem não tinha. Como que eu não enxerguei que Rosalinda, minha vizinha da infância, teve muito mais obstáculo colocado no caminho dela que eu tive? Como que eu fui cega pro racismo que estava ao redor de mim, classificando as pessoas pela cor de suas peles, seus cabelos, seus narizes, suas bocas?
Pele, cabelo… nosso corpo. Dentro de um sistema racista a nossa aparência, o fenótipo que a gente nasce, tristemente é usado para influenciar no que a gente pode se tornar. Quanto mais escura a pele, mais barreiras e limites a pessoa tem para viver a vida de forma plena e livre.
Geneticamente raça não existe. O conceito de raça foi criado para um grupo explorar todos os outros grupos. Mas racismo, esse existe e precisa ser combatido. Assim como xenofobia e homofobia, racismo é crime. É um crime hediondo. Crianças não nascem racistas, mas elas se tornam adultos racistas se criadas em uma sociedade que considera natural tirar a humanidade de grupos de pessoas por causa de sua cor de pele.
Então, cabe a cada um de nós, principalmente nós brancos, fazer nossa parte para nos tornarmos anti-racistas. Porque ideias racistas não são indestrutíveis. Nós podemos destruí-las. Sendo uma pessoa anti-racismo, tu estás dando à humanidade a chance de ser livre.
CREDITOS
A CAPITAÇÃO DE AUDIO E ENTREVISTAS DESSE EPISÓDIO FORAM FEITAS POR MIM, HELOIZA BARBOSA
TAMBÉM ESCREVI O ROTEIRO EM COLABORAÇÃO COM VALQUIRIA GOUVEA
A EDIÇÃO DE ÁUDIO É DE PAULO PINHEIRO E HELOIZA BARBOSA
A TRILHA MUSICAL É DE PAULO PINHEIRO, DIOGO SARAIVA E BLUE DOT SESSIONS
OS ÁUDIOS DE MERENGUES USADOS NESSE EPISÓDIO SÃO DE GEORGE PLOQUITTE E ERIC BREU
A MUSICA TEMA DO FAXINA É DE ANAIS AZUL
AS ILUSTRAÇÕES DO EPISÓDIO SÃO DE NATALIA GREGORINI
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SE PUDER, APOIA O FAXINA COM 10 REAIS POR MÊS NO APOIA.SE/faxinapodcast
E MUITO IMPORTANTE, NÃO ESQUECE DE FALAR DO FAXINA PARA OS AMIGOS, AMIGAS, AMIGUES, VIZINHOS E PARENTES, PORQUE DE BOCA EM BOCA NÓS CHEGAMOS AOS OUVIDOS DO MUNDO!
ATÉ O PRÓXIMO EPISÓDIO! ATÉ LÁ USA MÁSCARA E SE CUIDA E CUIDA DO PRÓXIMO.
TCHAU!