
“Vida Invisível” – esse episódio apresenta as vidas invisíveis de Teresinha Barreto, Ester Resende, e Gisele Fetterman, três gerações de mulheres de uma mesma família. Essas mulheres hoje estão no estado da Pensilvânia, EUA, onde Gisele é a segunda dama do estado. Como foi essa trajetória da invisibilidade para a ampla visibilidade você saberá ouvindo o episódio.
“Invisible Life” – this episode presents the invisible lives of Teresinha Barreto, Ester Barreto, and Gisele Fetterman, three generations of women from the same family. These women are today in the state of Pennsylvania, USA, where Gisele is the second lady of the state. How was this trajectory from invisibility to wide visibility you will know by listening to the episode.
Creditos:
- Produção da Faxina Media
- Criação do Roteiro: Heloiza Barbosa
- Edição do Roteiro: Heloiza Barbosa Valquiria Gouvea
- Edição de Áudio: Heloiza Barbosa e Paulo Pinheiro
- Mixagem: Paulo Pinheiro e Diogo Saraiva
- Produção do episódio: Heloiza Barbosa, Valquiria Gouvea, Diogo Saraiva, Paulo Pinheiro.
- Músicas: Paulo Pinheiro, Diogo Saraiva, Alexandre Baterias, Epidemic Sound, Blues Dot Sessions.
- Música Tema: Anais Azul
- llustração: Natalia Gregorini
- Apoio: Google Podcasts Creator Program & PRX
VIDA INVISÍVEL
O Episódio de hoje é VIDA INVISIVEL
Quando eu era adolescente, eu não tinha muita certeza do que e u queria na vida, eu nem mesmo conseguia escolher nos meus momentos de fantasia um super poder pra ter. Mas de uma coisa eu tinha certeza, eu não queria ser invisível, porque isso (invisível) eu e os meus colegas da escola, a minha família toda, os nossos vizinhos, o Janjão que entregava jornal, a dona Maria da feira, e a dona Iolanda, que benzia todo mundo que batesse na porta dela, nós todos já éramos – e essa invisibilidade não tinha graça nenhuma, só trazia falta de água, falta de luz, enchente e muita doença no bairro.
Oi! Eu sou Heloiza Barbosa. Seja bem vindo ao espaço de sons e histórias do Faxina podcast. É bom te ter aqui. Pode chegar. Respira… No episódio de hoje vocês irão escutar uma história de três gerações de mulheres que visivelmente existem no mesmo mundo que eu e tu, mas muitas vezes a gente nem sabe que elas estão ali do nosso lado – o legal é que a gente pode enxergá-las quando abrimos os olhos e o coração. Então, se prepare porque o novo episódio do Faxina está começando.
Gisele: Então quando eu saia para a escola a minha mãe falava te amo, tenha um bom dia, seja invisível.
Helo 2:
Essa é uma recomendação muito estranha para se dar para uma filha. Principalmente quando essa recomendação é feita para uma criança de nove anos de idade de olhos grandes, sorriso que ocupa o rosto todo, cabelos negros, ondulados e compridos, sombracelhas tão grossas que se unem como se fossem uma só, e que adorava posar para fotografias. Como seria possível ser invisível?
A criança que recebeu diariamente por muitos e muitos anos a recomendação de ser invisível é …
Gisele: Meu nome é Gisele Barreto Almeida, eu sou carioca, e eu sou a segunda dama de Pensilvânia.
Helo 2.a
Sim, vocês ouviram direitinho. Mas se ficou alguma dúvida, aqui está a mãe que deu as recomendações para Gisele
] Ester: Meu nome é Ester Resende, eu sou da Paraíba, Campina Grande Muito Prazer Ester! e eu sou a mãe da segunda dama da Pensilvânia.
Helo 2.b
Ester tem 66 anos, corpo ágil, mente inquieta, tem fala direta e afetuosa e é dona de uma linda cabeleira branca – assim como sua mãe, que também vai se apresentar…
Teresinha: Me apresentando, eu sou Terezinha Dias da Silva Barreto, nascida em Pernambuco,Recife, sou avó da Gisele que é a segunda dama da Pensilvânia.
E- E só.
T- E só não, tem muito mais! [risadas]
Helo 3
E essa história tem muito mais mesmo. [………] Antes de as três gerações estarem reunidas no estado da Pensilvânia, que é um dos estados originais dos Estados Unidos, e de a Gisele ser a segunda dama do estado, uma longa história de imigração aconteceu.
Nós vamos começar essa história lá pelo final de 1800, em um grande navio, com um João vindo de Portugal para Pernambuco com esposa e o filho dela – fruto do primeiro casamento da mulher. Naquela época, a viagem de navio cruzando o Atlântico demorava meses. A viagem de João demorou 8 meses.
Meus avós maternos também fizeram essa viagem, minha avó trazia minha mãe na barriga. Eu nunca conheci meu avô e minha avó morreu quando eu tinha uns 6 anos. E o que ela contava da viagem … de terceira classe, é lógico – e era algo parecido com esses relatos feitos por viajantes de um desses navios a vapor.
1) Não se lhe dando gorjetas, o pessoal serve-nos da maneira mais desagradável e repulsiva. 2) As comidas são destituídas de bom paladar e insuficientes. Apenas havia duas refeições por dia, sendo o café às 10 horas, com 2 ou 3 pãezinhos secos, e o jantar às 4 horas, do qual ninguém gostava. Com exceção das refeições, nem mesmo havia água para beber, a não ser que se desse gorjeta. 3) Os banheiros permaneceram sempre em estado de imundice. 4) os camarotes e os colchões tinham percevejos. 5) Em conseqüência de uma limpeza insuficiente, as cafeteiras e os bules exalavam mau cheiro, tornando a respectiva bebida impossível de tomar-se. 6) mulheres enfermas e as mulheres com 3 e 4 filhos não se dispensaram quaisquer cuidados especiais. 7) Faltou sempre o auxílio médico. Um passageiro, que tinha pedido um medicamento para sua mulher doente, recebeu do médico de bordo a irônica resposta de que uma bolsa de borracha cheia de gelo bastaria para fazer desaparecer a doença e auxiliar a digestão.
Helo 4
Nossa! A coisa não era boa nesses navios não…
Bom, mas voltando ao personagem da história, o João.
João desembarcou no Brasil viúvo e sem filho. Pois é, tragicamente sua esposa e o enteado morreram durante a travessia. No Brasil, João foi se ocupar de abrir padarias. Não demorou muito, ele conheceu a filha de um conterrâneo português. Casou com ela e teve 9 filhos. Sua segunda esposa morre. João conhece então Angelina – também filha de portugueses – e casou com ela. Em 1926 Angelina deu à luz a uma menina a quem ela deu o nome de Teresinha.
Hoje Teresinha está com
Teresinha- 94 anos
E como você está ?
Teresinha- dói aqui dói ali…
Helo 5
Então, será por Teresinha que a gente vai começar a seguir o fio dessa história. Vem comigo. —- Quero confessar pra vocês, que Intimidada pela beleza e vivacidade de Teresinha fiz uma pergunta bem tola. Perguntei se ela lembrava da infância…
Teresinha – há uns anos atrás eu lembrava, mas agora.[risos]
Helo 6
Mereci a resposta. Porque claramente, não há nada de errado com a memória de Teresinha, mas da mãe mesmo ela se lembra muito pouco
Teresinha: Imagina cinco anos. A minha mãe perdeu uma criança e teve hemorragia e morreu. E eu, aí eu dizia cadê minha mãe? Eu procurava embaixo da cama, abria tudo quanto era porta ninguém dizia. Dizia olha o gatinho, olhe isso. Não me falava, inventava história pra tirar da minha mente a imagem dela e o que estava procurando… Então foi muito sofrimento.
Helo 7
João, o imigrante português, pai de Teresinha, estava viúvo pela terceira vez aos 64 anos e com crianças para cuidar. Uma moça que conhecia Angelina da igreja , nem esperou o corpo da falecida esfriar pra bater na porta do recém viúvo
Teresinha: ela aparece lá uma semana depois que a minha mãe morreu. Ela disse , seu Barreto, Angelina mandou eu vir aqui pegar as crianças para eu criar. . Vinte cinco anos ela tinha.
Helo 8
A partir daquele momento a vida de Teresinha virou um inferno. A madrasta lhe entupiu de maus tratos e xingamentos, Foram tantos e tantos os castigos que aos 11 anos Teresinha fugiu de casa, foi pra casa de uma amiga. O pai saiu a sua procura. Quando a encontrou, perguntou:
Teresinha: Você que ir interna num colégio? Eu digo é o que eu mais quero, é o meu sonho.
Helo 9
Teresinha foi feliz nos anos de internato em Recife
T […] Teresinha: O colégio foi fantástico. Eu ajudava a desenhar, eu gosto de desenhar. Beleza! Aí foi uma delícia! tinha fruteiras no terreno da escola, sabe?. A rede de jogo, de jogar vôlei tinha a rede de vôlei. A gente tinha umas coisas altas para fazer exercício, subia na escadinha e andava se equilibrando. Tinha muita coisa, muita diversão no internato. Foi muito bom.
Helo 10
Com 17 anos, Teresinha saiu do internato, voltou pra casa do pai – que nessas alturas já havia mudado para Campina Grande – e também para o inferno da madrasta. Então ela decidiu fazer o que ela achou que era a melhor solução para o problema
T [. Teresinha: Mas, depois da madrasta aí, o marido.
A solução virou um outro problema.
Teresinha – Mulher mulher mulher
Helo 11
Mulherengo, o marido procriava mais rápido que coelho com outras mulheres de Campina Grande. Com 30 anos e com três filhos pequenos, Teresinha encheu o saco, arrumou as malas e migrou de Campina Grande para o Rio de Janeiro.
A família se instalou em Jacarepaguá. O marido foi junto. Teresinha teve o quarto filho no Rio de Janeiro. E o marido mulherengo continuou sendo mulherengo, somente as amantes mudaram de sotaque. Teresinha deu um basta e colocou em uso o que ela havia aprendido no internato.
T – Teresinha: Aprendi a bordar no colégio, achava bonito fazer, tal. Eu bordei para fora sim para fazer dinheirinho, porque ele sumia não mandava nada nem coisa nenhuma. Eu fazia enxovalzinho de criança, né. Costurei a noite toda, serão. Eu costurava com o radinho tocando, o rádio dando as notícias. Era assim…
Helo 12
Ester, a terceira filha de Teresinha, estava com 6 meses quando a família migrou para o Rio de Janeiro e com 8 anos quando a mãe se separou do pai …
Ester: Meu pai, grande safado que já tá lá não sei aonde. Lá em cima ou lá em baixo, não sei onde ele anda (risos).
Helo 13
Depois da separação de Teresinha, a vida que segue. Seguiu. Eu fico imaginando que se a vida tivesse dado à Teresinha cálculos, ela construiria monumentos; se lhe tivessem dado laboratórios, ela teria feito descobertas para mudar o mundo. Mas a vida lhe deu quatro filhos e a lida. E nessa lida, Teresinha nunca perdeu o bom humor e o apreço pelas canções.
Ester: Eu não sou feia, e nem sofre da tiróide. Conhece essa? Como é que é o comecinho, mãe?
Teresinha: Eu ando aflita atrás de casamento, Não. Não. Não.
Ester: Não quero ir para o convento e nem ficar para titia.
Teresinha: Eu não sou feia e não sofro da tiróide. Jogo tênis, leio Freud, mas não posso trabalhar, dá-me alergia (risos).
Teresinha: Acaba dizendo assim, esse regime que por certo é baratinho também é para mamãe pro papai e o [pro maninho ?] (risos).
Ester: Mas tem mais, tem mais.Ah, joguei a minha minha máscara fora [ é a música que a gente vai cantar quando acabar a pandemia. [Terezinha- Ah, é verdade.]
Teresinha: Joguei a minha máscara fora,[que mais mãe?]
filho
Teresinha: Pois é essas lembrança, essas coisas.
Helo 14
Pois é, estamos em pandemia. E a Pandemia do covid-19 causou recentemente perdas profundas na família de Teresinha.
Teresinha: Eu não sei. De vez em quando me assalta assim uma tristeza muito grande porque perdi meus filhos
Helo 15
A filha mais velha e o segundo filho de Teresinha morrem meses à parte. A filha no final de março, o filho no começo de Junho. Os dois vítimas do coronavírus. [pausa]
Helo 15.a A perda do irmão mais velho também dói fundo em Ester
Ester: É como eu digo eu to um pouco… muito, muito triste, muito triste. A última vez que, a última coisa que nós falamos no telefone, ele disse eu estou bem maninha, só estou muito cansado.Todo dia eu escuto… Então, é difícil. Mais um dia de cada vez. Nós dois éramos gêmeos. Gêmeos de signo e gêmeos de alma. Então sabe ele fazia as coisas com a minha ajuda e eu fazia coisas com a ajuda dele. Então a gente fazia tudo juntos, combinavamos as coisas, a gente pensava igual. Éramos almas gêmeas. Eu era a espiã dele. Ele era meu espião lá. Meu amado irmão, ele era um espião no Brasil. Trabalhava pro serviço secreto
Helo 15.b Ele era O QUE?
T- Mas não pode tá falando
E- Isso pode. Não faz mal, se ele saiu na capa da revista Veja… O espião que grampeou o presidente ……………………….). Grampeou o ………………… (blip).
Helo 16
UAU! Eu nunca conheci um espião … ou alguém próximo a um espião… ou… Égua, não sei nem o que dizer! Voltando para Ester, ela era tão chegada e tão parceira do irmão que ela também tinha um desejo em comum com ele.
E- [….ser invisível]
Bom, vocês já devem ter notado que Ester e a mãe Teresinha não são do tipo de ficar sentadas reclamando do azedo do limão. E ainda adolescente, Ester percebeu que tinha uma certa vantagem em ser invisível. Por exemplo, a inteligência inquieta dela queria estudos que dessem a ela a chance de fazer vestibular nas áreas das ciências biológicas e também algum trabalho. Mas, naquela época, e aqui estamos falando da década de 70 no Rio de Janeiro, o trabalho mais garantido para mulheres era o de ser professora primária.
Ester: No Brasil era proibido você só podia fazer ou Escola Normal ou científico, porque as duas eram do governo.Eu fiz as duas. Às vezes eu faço coisas ilegais.
Helo 17
Pra conseguir fazer esse truque, Ester teve ajuda de uma mestre do disfarce
Ester- …. Mamãe fez pra mim uma roupa especial. Porque eu não tinha tempo de trocar. Por sorte, naquela ocasião, a Escola Normal adotou a calça comprida – que antes era só a saia de pregas. O científico também era calça comprida, a única diferença era um emblema que tinha no bolso e a cor do botão. No científico era branco botão, na escola normal era azul marinho. E aí sabe o que a minha mãe fez? as minhas camisas tinham duas casas, um lado o botão era azul, o outro lado era branco. E eu trocava dentro do ônibus. Sabe como ela fez o bolso? Com pressão. Eu puxava um bolso e prendia o outro bolso.
Helo 17.a Que genial !!. E Ester ainda fez algo mais impressionante para a época
Ester: Datilografia eu aprendi nas minhas pernas sem ter uma máquina de escrever, isso jovem, no ônibus.
Helo 18
Ester trabalhou como professora. Depois entrou na faculdade e estudou nutrição. Já graduada, ela casou
Ester: Eu casei jovem, com 24 e tive o primeiro filho. Meu marido, ele é também um imigrante. Ele nasceu em Portugal e migrou para o Rio de Janeiro, sempre foi muito envolvido com política. Então o tempo era só para aquilo. Terminei me separando dele e… Tinha uma oportunidade de trabalho em Brasília e fui para Brasília com o meu filho.
Helo 19
Ester morou em Brasília com seu primeiro filho por dois anos, mas o ex-marido não a deixou em paz
Ester: Ele mandava mensagem todos os dias, cartinhas de amor. Ele tinha um programa de rádio no Rio, aí mandava aqueles disquinhos de música. Torrou minha paciência por todo esse tempo. E aí eu resolvi voltar para ele. Casei uma segunda vez para poder nascer essa beldade aqui.
Helo 19.a A beldade é a filha Gisele.
Ester: Era bela, era belíssima.
Helo 19.b Segundo a avó Teresinha…
Teresinha: Gisele foi uma boneca, linda. Muito sabida, muito inteligente. Era sapeca, fazia pose para tirar retratos.
Helo 20
O segundo casamento com o mesmo marido durou pouco. Quando Gisele tinha um pouco mais de 1 ano de idade Ester decidiu pela separação definitiva
Ester: Até hoje somos amigos. Até hoje ele ……………………………blip]
Ela vai escutar? Será que ela vai escutar, meu Deus? Corta, corta. Corta Heloiza (risos). Corta, corta (risos).
Helo 21
Mudando de assunto. Ester voltou pra Brasília com os dois filhos. Re-assumiu como chefe do serviço de nutrição da Fundação Hospitalar. E começou um namoro, que levou à uma união estável por 5 anos, com um milionário de Brasília, chamado ……….…..….. blip
Ester – oh esquece o nome. Corta! corta! kkkkk
Helo 22
haha Peço desculpa aos nossos ouvintes hahahaha, mas pra vossa segurança, os blips são necessários. Então…O namoro acaba, Ester não é mais milionária e…ai eu me perdi…
Teresinha: Andando para frente. Aí ela um dia disse, vamos para América mãe? Pra América? Ooh, meu Deus. Pronto, aí foi embora.
Helo 23
Pronto! Obrigada Teresinha! Então ouvintes, Ester tomou essa decisão de migrar para a América porque ela não queria mais viver como mãe solteira de duas crianças em um lugar em que a violência urbana causava (e ainda causa ) vítimas todos os dias; em que o feminicídio atinge números inconcebíveis, e o sentimento de segurança é inexistente. Ester via poucas oportunidades para os filhos e para si de viverem sem medo no Brasil.
Mas o que é bem interessante nessa história, é que talvez sem saber Ester iria realizar o seu maior desejo
Ester: Eu sempre quis ser anônima. Invisível essa é a questão.
Helo 24
Eu me identifico muito com esse desejo de Ester. Porque há algo de muito libertador em ser pessoa anônima. As possibilidades de você inventar ser o que quiser são quase infinitas…
No Brasil, Ester vendeu tudo o que tinha. Deixou os filhos com Teresinha e embarcou para NY.
Ester: Eu cheguei aqui no dia 27 de outubro de 1989. Eu não falava uma palavra de inglês. Eu andava na estação de metrô em Nova Iorque todos os dias com dinheiro na minha cintura (risos).
Helo 25
Ester disse que era cerca de 20 mil dólares que ela carregava em uma bolsinha tipo cinto, feito pela mestre dos disfarces, a maravilhosa Teresinha!
Me dá arrepio só de imaginar alguém carregando essa grana toda na cintura… continuando.
Ester: O único trabalho que tinha era de checar o casaco. Não tinha salário, era só gorjeta. Aprendi a dizer, May check your coat. Thank you. A mamãe perguntou- E aí? como é? você está gostando? Eu falei assim, É difícil, é uma droga, mas eu não volto até eu falar inglês fluentemente e me tornar americana. Porque eu não quero voltar pro Brasil. Eu vim determinada para nunca mais voltar para o Brasil.
Helo 26
Entre pagar passagens para a mãe Teresinha trazer para os EUA Gisele que estava com 7 anos na época e seu irmão com 10, e o pagamento de contas e mais contas, em 6 meses o dinheiro que Ester tinha acabou. Teresinha retornou ao Brasil, aliás quero lembrar que ela nunca morou nos EUA, mas passava temporadas visitando a filha e os netos sempre que podia. E Ester e os filhos se instalaram em NJ que era mais barato. Um vizinho dela, também imigrante, lhe deu os seguintes conselhos.
Ester: Aí ele disse, aqui todo que é imigrante ganha dinheiro fazendo faxina. Esse senhor que era da Colômbia, me deu a dica. Você tem que comprar um carro, tem que ter sua carteira porque tem que trabalhar no lugar de gente rica.
Helo 27
Ester deu um jeito, tirou a carteira e comprou o seu carro e foi atrás dos primeiros clientes. Lembrem-se de que estamos falando de uma mulher que, se puder, prefere fazer tudo do seu próprio jeito.
Ester: Eu ia no jornal da cidade onde tinha mais gente rica. Não era onde eu morava. Botava anúncios lá e arranjava minhas casas sozinha. Eu limpava três casas por dia, sozinha.
Helo 27.a E o jeito de limpar de Ester tinha um toque de agente especial 007
Ester: Eu limpava as casas. No momento que eu saía da casa não tinha um vestígio de que eu estive lá, a não ser a casa impecavelmente limpa. Mas fora isso, impressão digital eu nunca deixei, usava luvas. Nunca deixei impressão de pé. Eu aspirava até o finalzinho o tapete e não ficar nenhuma marca de pé, nada, nada. Como uma espiã que não quer ser encontrada. Entendeu.
Helo 27.b Do seu jeito, ela também aprendeu inglês
Ester: Eu cheguei a me matricular numa escola em Nova Jersey, escola noturna. Fui a primeira vez, mas que aguentava depois de limpar três casas. Resolvi, comprei logo aqueles aparelhos de legenda – porque não existia legenda na televisão há 31 anos atrás. Eu coloquei os aparelhos nas duas TVs. Eu chegava em casa, depois que eu cuidava das crianças, todos os dias, religiosamente, assistia os jornais e assistia os filmes que eu gostava com a legenda, ouvindo e lendo, ouvindo e lendo.
Helo 28
Pois é, Ester faz as coisas do seu jeito. Mas sendo mãe solteira de dois filhos, às vezes não tinha jeito, e o único jeito era Ester levar as crianças com ela nas faxinas.
G- 12:23 Eu gostava de ir
Helo 28.a Essa é a Gisele
Gisele: Eu gostava de ver os armários das pessoas, eu tentava os sapatos deles, sabe. Eu achava assim super show. Mas a gente ajudou ela limpar muito a casa nos final de semana quando ela precisava.
Helo 29
E a vida de Ester seguia com ela trabalhando todos os dias e o dia todo. Mas segundo Gisele a vida estava muito distante de ser chata
Gisele: Minha mãe sempre me deixou ver as coisas de um jeito bem divertido. A gente fazia muita compra no lixo, no dia de lixo nos móveis… E era sempre tão divertido. Eu tenho uma memória tão boa sobre isso, sobre dumpster diving, Helo 29.a [pra quem não sabe, dumpster é um lixão só de objetos e dumpster diving é quando a pessoa vai no lixão pra garimpar nos entulhos em busca de preciosidades.] a gente mudava de móveis toda hora. A gente descobria que o bairro era melhor do que o nosso porque lá as coisas iam ser boas.(risos)
Helo 29.b Gisele contou de outra diversão favorita
Gisele: Ela criava essa aventura para a gente. A gente se perdia. A gente nunca sabia onde tava pra ir, né . Mas a gente entrava no carro, encontrava uma festa ou alguma coisa, e a gente would crash it.
Helo 29.c Jura ! Você pode contar de alguma festa que vocês entraram assim de penetra?
Gisele: UMA FESTA QUE EU LEMBRO MUITO FOI foi uma festa de Bombeiros. Eles estavam recebendo um novo caminhão e era maior festa com casinha de pular dentro e comida. Então a gente entrava como se a gente tava lá conhecendo alguém. E ela sempre falava, entra e fala oi para todo mundo porque eles vão pensar que você conhece alguém (risos). E se parecer confusa, você fala assim, alguém viu João/John ou alguém viu a Mary porque é um nome tão comum (risos). Vai ter alguém chamado de John (risos). Vivemos e comemos bem. Vivemos muitas aventuras assim.
Helo 29.d Gente, a Ester é impressionante!!!
G- ah ela é demais…. Ela é tudo!
Helo 30
Ah, os truques de invisibilidade de Ester!
Sendo uma imigrante sem documentos, Ester precisava sim de estratégias. E agora, eu vou falar pra vocês das estratégias que ela criou ao longo da vida.
Mas antes, vamos fazer uma pausa e já já voltamos…
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Pronto. Estou de volta. Tu não podes me ver, mas eu existo pela minha voz aí no teu ouvido. Eu sou invisível e visível ao mesmo tempo. Assim, como as vidas de Teresinha, Ester e Gisele. E agora eu vou contar pra ti das estratégias de sobrevivência de Ester como faxineira sem documentos nessa terra estrangeira.
Vamos à Estratégia número 1:
E- 25:39 Não chamar atenção pra gente. …
G- seja invisível!” [seja invisível, seja invisível, seja invisível].
Gisele: A gente tinha amigos que foram deportados. Eles vieram às duas da manhã e levaram os pais para o Brasil. Vivendo sem documentos, neh, você vive com medo todo dia. E eu tenho momentos até hoje. Você escuta a sirene da polícia, alguém bate na porta que você não está esperando, eu ainda tenho esses momentos que o coração pula por um minutinho, (risos), eu acho que isso eu vou carregar para sempre.
Helo 31
E Gisele tem motivos de sobra pra sentir sobressaltos no coração. Recentemente, em um domingo de outubro do ano passado, Gisele estava no supermercado quando uma mulher a reconheceu como a esposa do John Fetterman, o vice-governador da Pensilvânia, e começou do nada a gritar insultos. Disse que ela era uma imigrante e que devia voltar pro lugar dela, que ela era uma ladra, e também disse outras palavras de tanto ódio que não vou repetir aqui. Gisele saiu do supermercado chorando. A mulher seguiu ela até o carro e continuou o ataque. Gisele ficou tão abalada com a agressão.
Gisele: Então pra alguém, assim tão perto da minha cara que tinha um ódio por mim, que nunca tinha me conhecido antes. Isso foi muito difícil aceitar e processar.
Helo 32
Gisele chorou porque foram insultos historicamente ditos aos imigrantes que entram por um ouvido e não saem pelo outro. Hoje Gisele é visível, é a segunda dama de um estado, é reconhecida por seu trabalho social, mas ela ainda lida com a ideia preconceituosa de que imigrantes são gente de menor valor. —— Na real, imigrantes são pessoas de uma imensa coragem, criatividade e garra. Porque não é fácil buscar sonhos e o direito a oportunidades em terra onde você não fala a língua, não conhece ninguém, nem os cheiros são iguais.
Gisele também comenta da ironia que é hoje ser casada com o vice-governador da Pensilvânia, a quem ela carinhosamente chama de João
Gisele: Crescendo eu morria de medo de Pensilvânia porque quando você era deportado de qualquer lugar nessa área de Nova Iorque e Nova Jersey a prisão de imigração era em Pensilvânia.
Helo 33
Mas, vamos voltar às estratégias de Ester. A primeira vocês lembram, era ser invisível, e agora a Estratégia de número 2:
Ester: Prêmio… se era de governo, eu não queria aceitar nada. Porque eu não achava justo.
Helo 34
Mas as doações de clientes eram aceitas com muito carinho, como lembra a Gisele
Gisele: Quando eu era criança minha avó fazia minhas roupas. Tudo lindo, delicado, com bordados e cheio de amor. Mas quando minha mãe trabalhava como faxineira, as casas que tinha filhos né, um pouco mais velhos que eu, recebia essas roupas e eu amava, porque era coisa boa de marca e boa qualidade.
Helo 35
Essa experiência influenciou muito Gisele, que dentre as muitas causas que abraça, está a campanha de dar vida longa às roupas.
Gisele: Eu gosto de uma roupa que tenha uma história, que já viveu uma vida. Eu gosto de pensar que experiências foram vividas nessa roupa e que elas vão viver comigo agora.
Helo 36
É tão interessante e verdadeira essa postura da Gisele, que quando ela e o marido foram convidados para atenderem a um baile formal e chique de políticos em NY, Gisele comprou o vestido em uma loja de segunda mão. Quando chegou ao baile, a anfitriã, comentou
Gisele: Que vestido lindo, eu tive esse mesmo vestido. Eu falei: ah, que legal! Pode ser o seu. Você levou para a loja e vendeu? Porque eu comprei na loja usada (risos).
Égua da resposta maravilhosa!
Helo 37
Bom, Agora, conheceremos a Estratégia da Ester de número 3:
Gisele: Era assim: você não podem se machucar. Então a gente não podia jogar esportes na escola..
Helo 37.a
A Gisele explica porque essa estratégia era importante
Gisele: Você escuta muito falando: é os imigrantes estão aqui só recebendo os benefícios. Meu Deus! Alguém sem documentos não recebe nada! Paga taxa, e não tem não tem acesso a absolutamente nada.
Helo 38
Quem não tem seguro de saúde aqui tá lascado, porque o custo de tratamento médico nos EUA é MUITO alto! E o seguro é caríssimo! Então a estratégia de Ester tinha sentido. Ela me contou que uma vez, numa festa, ela se serviu de uma comida e na hora que a colher estava perto da boca ela viu…
Ester: Um cabelo na minha comida. Eu fiquei tão repugnada, com tanto nojo tanto nojo tanto que eu desmaiei. Me levaram para o hospital. Demorei dois, três anos pra pagar a conta da emergência do hospital. Que raiva! Tudo por causa de um cabelo.
Helo 39
Em outro momento, Ester quebrou a perna cortando a grama. O pânico de mais uma conta fez ela ficar uma semana em casa com a perna quebrada. Quando foi ao médico, precisou fazer cirurgia.
Ester: A conta da minha cirurgia, foram acho que uns sete anos eu pagando. Paguei tudo.
Helo 39.a
Gisele também teve uma experiência parecida.
Gisele: Eu quebrei meu nariz com nove, e vivi a vida inteira com o nariz torto e acostumei. Não respirava bem. E, 2 anos atrás, eu não tava conseguindo respirar mais de um lado.
Helo 39.b
Somente agora que ela é a segunda dama do estado da Pensilvânia é que ela tem seguro de saúde
Gisele- Eles tiveram que reconstruir meu nariz todo.
Helo 40
Isso é o que ocorre quando a medicina é toda privatizada e não há um sistema público de saúde. Quem sofre é sempre os mais vulneráveis.
Então, um recadinho pra quem está nos ouvindo do Brasil: proteja o SUS.
Helo 41
Mas agora ouvintes queridos, vamos a última estratégia de Ester
Ester: Tenho sempre um plano B. Sempre tive um plano B.
Porque a grande filosofia de sua vida é ...
Ester: Pra mim não existe problema; existe soluções. A gente se virava. Eu sempre dava um jeitinho. Precisava de um documento, eu arranjava o documento.
Helo 41.b Ester tem muitas histórias dos jeitos que deu… eu quero ouvir todas, logicamente eu pergunto
E- 32:07 Eu tenho que pensar 3 vezes antes de falar as coisas …………….. …………….. Porque tem muita história….muita! [risadas]
Helo 42
E deve ter mesmo! Uma das histórias que Ester compartilhou e que eu achei muito maravilhosa é assim, para fazer muitas coisas aqui nos EUA é necessário o social security, que é como o CPF brasileiro. Os imigrantes chamam de “o social”. Trinta anos atrás era possível estrangeiros obterem o social, desde de que eles solicitassem antes de expirar o prazo de 6 meses de permanência estampados nos passaportes. Ester tinha o social dela, mas achava que não precisaria também ter um para os filhos, até que um dia precisou pra renovar a matrícula na escola.
Ester comentou o problema com a contadora que fazia o imposto de renda dela e também de um monte de brasileiros nos EUA inteiro. A moça conhecia deus e todo mundo. Aí a contadora fez a seguinte sugestão pra Ester.
Ester: Aí ela me disse, olha lá em um Scranton na Pensilvânia tira. Você diz que quer abrir conta num banco pro seus filhos e você consegue tirar.
Helo 43
Uma informação curiosa pra quem não sabe: Scranton é a cidade onde Biden, o atual presidente dos EUA, nasceu e passou a infância. Agora voltando à Ester. A ideia era boa, mas tinha um problema. A pessoa tem que solicitar o social na cidade em que reside, e Ester não morava em Scranton. Por sorte a contadora tinha um cliente nessa cidade
Ester – E o nome dele era Zé de Scranton. Zé de Scranton que eu acho que era mineiro.
Helo 44
Vocês já estão imaginando a história né. Pois então, a contadora falou com o Zé de Scranton que aceitou ceder o endereço dele. Ester foi com os dois filhos e mais um neto de uma amiga pra Scranton tirar o bendito social. Chega lá ela passa no Banco, pede uma carta dizendo que ela precisava do social pra abrir a conta para as crianças, leva a carta para o escritório do governo, preenche os papéis e pronto! Os cartões com os números de social para cada uma das crianças chegariam pelo correio em 10 dias. Toda feliz, Ester foi até o endereço do Zé pra agradecer. Quando chegou lá … o Zé lhe deu uma péssima notícia
Ester: Eu nunca recebi nenhuma correspondência nesse endereço. Todo meu correio vai para a caixa postal.
Helo 45
Mas Ester sendo a Ester que vocês já conhecem, ela rapidamente pensou em uma solução
Ester: Ai, eu falei tá bom, então nos vamos ter que resolver isso. Você fique bem atento porque você vai receber muito correio na próxima semana. Então, eu mandava todo dia quatro cartas pra ele. Uma no nome dele e uma de cada um das três crianças. Sabe o que eu fiz? Eu mandava, eu copiei e mandava todo o livrinho do Paulo Coelho. Quando chegaram os documentos social security o correio já estava super acostumado a entregar quatro cartas por dia. E o rapaz, o Zé de Scranton amou o livro de Paulo Coelho.(risos).
Helo 46
Ester foi faxineira por mais de 20 anos. Criou os filhos, com o trabalho na faxina. Pagou a faculdade deles com o dinheiro da faxina; e alguns de seus clientes viraram amigos para a vida inteira. É com muito orgulho que ela fala do seu trabalho de faxineira e ainda deixa algumas dicas.
Ester: Sempre amei meu trabalho, sabe. E nunca me senti pequena por faxina. Faxina nunca mudou quem eu sou. Se eu não gostava, não paga o que eu quero, tchau, eu arranjo outro. Nunca trabalhei pra agência nenhuma. Nunca carreguei material. As brasileiras têm que parar de fazer essa faxina desse jeito carregando as coisas todas. As pessoas têm que ter tudo. Eu faço lista, fazia. Ia nas casas e dizia que eu queria de material. Eu tinha a minha caixa dentro da casa com o meu material.
Helo 47
Apesar de gostar do trabalho de faxineira, Ester passou por situações de humilhações e abusos que tristemente acontecem com faxineiras e trabalhadoras domésticas. Ester conta de alguns dos assédios que sofreu
Ester: A esposa saía de casa eu estava lá trabalhando. Ele vinha atrás de mim toda vez. Era bem mais velha do que eu. Ele ia atrás de mim, ah hoje eu te pego, hoje eu te beijo. Desse jeito! Um dia ele me pegou desprevenida. Eu estava dentro do banheiro, limpando o banheiro. Então eu não tinha como sair do alcance dele. Ele me encurralou no banheiro. Eu tou lá, eu poderia empurrar ele, derrubar, mas. Então, eu disse a ele: não chegue mais perto, nenhum passo mais. Se você chegar eu vou te esprear. Ele não acreditou. Espreei nos olhos dele. pa pa pa Saiu doidinho para se limpar.[risos] Nunca mais. Depois dessa, ele nunca mais tentou nada. Tive muitos. Teve um que uma vez bateu na minha bunda. Sabe. Outro velho gagá. Era um escritório, uma companhia. Era outro safado, esse era um idiota.
Teresinha – Essa história é feia…
Helo 48
Teresinha eu concordo com você. Vamos focar nas histórias de lindezas que mudam as pessoas e o mundo.
Em 2020, Ester tornou-se cidadã americana – um sonho esperado por mais de 30 anos, e pela primeira vez votou para presidente nos EUA. Quando eu pensei em fazer esse episódio, eu tinha a intenção de contar somente a história da Ester, mas ficou impossível não mencionar as histórias de sua mãe Teresinha e sua filha Gisele.
Teresinha saiu de um casamento infeliz e se aventurou em uma cidade maior que a sua. Bordou, costurou, cantou, sorriu e criou os filhos.
Ester saiu de casamentos, saiu do seu país, e foi buscar em terras estrangeiras segurança e oportunidades para os filhos e para ela ser quem eles quisessem ser, sem medo.
E Gisele, que foi educada por essas duas mulheres incríveis, hoje usa o talento e a imensa plataforma que tem para trazer visibilidade aos que foram empurrados para debaixo do tapete.
Gisele: Para mim é pensar que quem está invisível, quem não não é parte da conversa quem não está nas mesas contribuindo.
Helo 49
Hoje Gisele dedica sua vida profissional a lutar pelos direitos dos imigrantes, da comunidade LGBTQ+, para erradicar o racismo, as desigualdades, e a fome em um país tão rico – pra isso ela articulou parcerias com empresas e montou uma loja onde tudo é de graça para quem precisar, desde alimentos orgânicos até livros, sapatos, e roupas, tudo. No grande número de voluntários que dão uma força na Loja onde tudo é de Graça, estão sua mãe Ester e a avó Teresinha.
Uma outra causa social que Gisele abraça e que recebe muita atenção é a legalização maconha, a qual ela defende que precisa ser legalizada não só para uso medicinal, como também o uso recreativo e ela te conta porque
Gisele: Porque é uma injustiça que foi criada neste país com uma história muito racista.É uma 22 mil pessoas por ano são mandadas da prisão porque estão carregando essa planta que é legal em muitos outros estados. E é hora de fazer certo o que tem sido errado por muito tempo neste país e nesse estado. E você olha as estatísticas, pessoas de todas as cores usam igualmente, só que os que acabam na prisão são sempre pessoas igual a mim e outras pessoas de cor.
Helo 50
A cada geração, essas três mulheres foram conquistando e ampliando seus espaços, saindo de suas invisibilidades. Apoiadas pelas lutas de outras mulheres, de outras épocas, de outros mundos, que resistem ao silêncio imposto.
Teresinha é mãe de Ester que é Mãe de Gisele, que além de ativista, articuladora, jardineira, artista e esposa do João – mais um João nessa história – Gisele também é mãe de Levi, um labrador de olhar meloso e três humanos que aquecem o coração da bisavó.
B- 08:10 tenho aqui 3 bisnetinhos maravilhosos
E- Mas ela tem mais ainda. Ela tem muito bisnetinhos
T- são 10!
G- Mas esses são os preferidos [risos]
Helo 51
Teresinha, Ester e Gisele, essas três gerações de mulheres que gargalham com facilidade de si mesmas, têm basicamente a mesma resposta quando perguntei sobre os planos para o futuro. Começando com Teresinha.
Teresinha: Olha eu vou te dizer que não tem futuro, o futuro é muito longínquo a pra mim. Pertinho está a morte. Isso é que está perto.
Helo 51.a E agora a Gisele
Gisele: A minha vida mudou muito sempre né. Minha mãe re-casou e eu fui milionária por um pouco, depois minha mãe virou faxineira. Então eu sei que a vida não fica nunca no mesmo lugar. Então pra mim, nada para mim é para sempre, né. E eu falo quando uma pessoa está vivendo só sobrevivendo, ela não tem a capacidade de ver longe. Você perde essa habilidade, porque você tem que sobreviver hoje. Onde você vai dormir, o que você vai comer, né? Então, eu acho que eu vivi por tanto tempo sobrevivendo que eu não tenho essa habilidade, né. Então o dia de hoje eu não vou perder uma coisa hoje, semana que vem eu não vejo tão longe, eu não consigo.
Helo 51.b E para a Ester…
Ester: Agora não faço mais faxina nos últimos 12 anos 11 anos, eu parei. Como eu te digo passado passou. Não importa o passado. Não me importa o ontem. Nem ontem, já era! Tem que viver agora, é o hoje. É hoje e esperar que exista um futuro, ninguém sabe. Não sei quando é o meu.
Helo 52
Mas mesmo essas fervorosas adeptas do viver o momento presente, o aqui e agora, mesmo elas têm um desejo guardado para os dias futuros. Teresinha, por exemplo, quer ocupar seus dias fazendo o que gosta, e o que ela gosta?
] Teresinha: Ah, meu meu Deus, eu gosto de ir nos mercados, eu gosto, acho bacana. Gosto de passear de ver as coisas. beleza! Só vê a paisagem, já é uma maravilha. A névoa, a neve… tudo enfim é maravilhoso. Aí eu saio e eu digo, meu Deus como é lindo! é lindo! (risos).
Helo 53
Ester quer continuar aprendendo línguas e no momento está estudando Francês,
Ester: Então eu estou planejando daqui a cinco anos me mudar mudar para a França.
Helo 54
E Gisele, ela está dedicada na campanha de seu marido João, para o senado Americano em 2022.
Será que um dia vamos ter uma Brasileira como primeira dama dos EUA ?
Helo 55
Ahhhhh…. Chegou a hora de dizer tchau pra essas mulheres. E Teresinha tem uma mensagem bem especial pra deixar pros ouvintes desse episódio.
Teresinha: Em primeiro lugar saúde, e depois todas as maravilhas que a vida ainda tem. E vem a tristeza, mas a gente tem que sorrir. Porque se não sorri tá tudo perdido (risos).
Tchau, tchau… beijos no coração.
Helo 56
De minha parte eu digo que o futuro é o presente.
E nesse momento presente, eu quero que cheguem as vacinas para toda a população do planeta.
E que no nosso presente possamos imaginar e construir um viver de visibilidade e florescimento pra todas as criaturas.
E por favor, vamos lembrar que o racismo deve ser erradicado e que praticar racismo é crime.
Lembrar de olhar e tratar imigrantes que estão na tua rua, na tua cidade com compaixão.
Lembrar que fome é uma experiência que ninguém deve ter.
Lembrar que usar máscaras nesse momento de pandemia não é porque você tem medo, mas é porque é o mínimo que você pode fazer para cuidar da saúde da tua comunidade, da tua família, e da tua e ainda ajudar a economia do teu país voltar a funcionar.
Lembrar que o nosso planeta precisa que a gente faça ações de preservação de nossas florestas, nossas águas, nossas espécies, para que a Terra continue ser redondamente visível, azul e bela.
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O FAXINA é uma produção da Faxina Media.
O episódio de hoje foi produzido por Diogo Saraiva, Valquiria Gouvea, Paulo Pinheiro e eu Heloiza Barbosa.
A Mixagem de som e edição de áudio é de Paulo Pinheiro e Diogo Saraiva
As músicas usadas no episódio são de Diogo Saraiva, Paulo Pinheiro, Alexandre Baterias, Epidemic Sound e Blue Dot Sessions.
A Música tema é de Anaís Azul
As ilustrações que acompanham esse episódio e todos de segunda temporada são de Natália Gregorini
O Faxina é membro do Google Podcasts Creator Program e gostaríamos de agradecer a Public Radio Exchange pelo apoio na realização dessa temporada.
Nosso muito obrigado aos amigos Portugueses Gilberto Souza, Sofia Saldanha e Isabel Ferreira por terem topado gravar os relatos de viajantes que estão no artigo de Fábio Koifman publicado na “Locus:Revista de História”
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Obrigada por escutar o Faxina. Até a próxima! Tchau!